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Congelamento de óvulos: o mercado de ‘seguro-maternidade’

O negócio de reprodução assistida movimentará mais de US$ 20 bilhões até 2025. E cresce na esteira das mulheres que adiam o projeto de ter filhos em prol da carreira. Entenda o fenômeno.

Por Bruna Maia | Edição: Tássia Kastner | Ilustração: Mariana Andrello | Design: Caroline Aranha 
Atualizado em 15 jun 2022, 15h30 - Publicado em 10 jun 2022, 11h58
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 (Mariana Andrello/VOCÊ S/A)
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De um lado há a carreira. Quem termina a faculdade, ali pelos 24 anos, foca no trabalho. Se for mulher, ainda mais. Ela é incentivada a se entregar à vida profissional. O plano é crescer até provar que merece o mesmo salário que seu colega homem, ser promovida e alcançar cargos de gestão. Do outro, está a vida pessoal: aproveitar a vida ao máximo no melhor estilo millennial, com viagens, festas e Tinder.

Espremida no meio desses dois mundos e adiada ao limite fica a decisão de ser ou não ser mãe. Mulheres com filhos ganham menos e recebem menos promoções – o fenômeno é universal. Isso ajuda a explicar por que, dos 2,7 milhões de bebês nascidos em 2020, 37% foram de mães com mais de 30 anos – 16,7% delas tinham mais de 35 anos. É um salto em relação a 2010, quando apenas 25% das mães tinham mais de 30 anos, e só 10% delas mais de 35. Os dados são do IBGE. O fenômeno não é exclusividade brasileira. Nos EUA e na Alemanha, por exemplo, a idade média com que as mães têm o primeiro filho chegou a 30 anos. 

Só que a biologia não faz acordo trabalhista nem plano de carreira. Quando uma mulher cruza a barreira dos 35 anos, é como se entrasse na última volta do GP da maternidade. Ou vai ou racha.

Justamente por isso, o mercado de reprodução assistida se tornou um negócio bilionário, já que o congelamento de óvulos ou de embriões é a ferramenta mais eficaz para adiar esse prazo.

Trata-se de um mercado que movimentou US$ 15,74 bilhões em 2021, de acordo com o relatório da consultoria Research and Markets. A expectativa é de crescimento de 37,8% até 2025, saltando para US$ 21,7 bilhões.

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O crescimento no Brasil tem sido vigoroso. O último relatório Sis Embrio, da Anvisa, é de 2019. Naquele ano cerca de 100 mil embriões foram congelados no país, mais que o triplo de 2012 (32 mil). O embrião é resultado da união dos gametas masculinos e femininos, e já estão “prontos” para a fertilização. Esse tipo de tratamento é realizado principalmente por casais.

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Já o congelamento de óvulos é buscado principalmente por mulheres solteiras que pensam em engravidar no futuro e querem garantir células de qualidade para quando esse momento chegar. Esse fenômeno ainda não é mensurado pela Anvisa, mas as clínicas relatam uma explosão no número de pessoas que decidiram seguir esse caminho nos últimos dois anos.

O médico Rodrigo Rosa, ginecologista, obstetra e fundador da clínica Mater Prime, de São Paulo, afirma ter registrado um aumento de 50% no número de ciclos de congelamento de 2020 para 2021. No início deste ano, a clínica investiu R$ 15 milhões em um novo laboratório, de olho na demanda crescente. 

A publicitária Carol Tilkian, de 38 anos, é entusiasta da possibilidade. “Fiz um fundo de garantia dos meus óvulos”, diz ela, que realizou o processo aos 33, estimulada pelo pai. Quando ouviu a sugestão, Carol sentiu que “havia falhado”, pois estava solteira havia quatro anos e a avó sempre dizia que queria bisnetos. Mas logo essa sensação foi substituída pelo alívio de manter a possibilidade aberta por mais tempo. “Tenho vontade de ser mãe, mas não estou me programando no momento, quero aproveitar a vida de solteira e focar na carreira”, conta. Ela não descarta a possibilidade de engravidar pelo método tradicional se encontrar um parceiro. “O mais libertador é ter a opção.”

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(Mariana Andrello/VOCÊ S/A)

Os casamentos tardios também estão relacionados à busca pelo congelamento de óvulos. Em 2019, no Brasil, a idade média de matrimônio era de 30,8 anos para homens  e 28,2 para mulheres. Em 1974 era, respectivamente, 26,7 e 23 anos. Uma projeção do banco Morgan Stanley estima que, em 2030, 45% das mulheres entre 25 e 44 anos estarão solteiras. “Muitos homens me fazem pensar ‘gato, você vai ter que comer muito feijão com arroz para eu querer ter um filho seu’”, comenta Carol.

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De qualquer forma, o processo de congelamento é complexo. Mulheres liberam, em geral, um óvulo por mês. Para a fertilização in vitro ter chances reais de sucesso, é necessário muito mais. Por isso, as pacientes tomam injeções hormonais por no mínimo nove dias para estimular a produção ovariana antes de as células serem retiradas – é o que a medicina chama de “ciclo de estimulação”. E eles não vêm sem efeitos colaterais. Quem faz o tratamento sofre efeitos similares aos da TPM, como retenção de líquidos, irritabilidade e oscilações emocionais, que duram cerca de um mês.

A analista financeira Luiza (o nome foi trocado a pedido dela) sentiu na pele. Ela nunca quis ter filhos, mas, aos 37 anos, após um término de relacionamento, achou por bem manter uma reserva de células férteis. “Na época, me senti um fracasso. Achei que nunca encontraria um cara legal, que não conseguiria casar e ter filhos, caso desejasse ser mãe.” Hoje, concentrada na sua recente mudança de emprego, ela não pensa mais dessa forma. “Uma parte desses sentimentos teve a ver com o efeito psicológico do tratamento com hormônios”, comenta Luiza, que ainda não sabe se vai usar no futuro os óvulos que congelou, mas fica mais tranquila em saber que eles estão guardados. 

Quanto mais jovem a mulher, maior a chance de ela liberar a quantidade ideal de óvulos – mais de 10 a cada coleta. “O ideal é congelar entre os 30 e os 35 anos, mas a maioria busca o tratamento entre os 35 e os 39”, diz Daniel Suslik, coordenador médico do Fleury Fertilidade, centro inaugurado em março de 2021 para atender a demanda crescente dos pacientes por esse tipo de tratamento. 

Não é apenas a quantidade de células reprodutivas femininas disponíveis que diminui após os 35 anos, mas também a qualidade delas. Além de risco aumentado de anomalias cromossômicas, óvulos mais velhos podem ter a “bateria mais fraca”. As mitocôndrias, organelas celulares responsáveis pela produção de energia, ficam menos potentes com o passar dos anos e nem sempre conseguem dar conta do trabalho de divisão celular necessário para transformar aquele óvulo congelado em um embrião, e depois em um bebê. 

O custo de um ciclo de estimulação varia bastante, mas dificilmente sai por menos de R$ 10 mil nas clínicas mais acessíveis. Elas não dizem quantos ciclos as mulheres costumam fazer para chegar aos 10 óvulos – considerado o “mínimo” para uma taxa alta de sucesso. 

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(Mariana Andrello/VOCÊ S/A)

O normal é que sejam necessários de 1 a 3 ciclos, mas há quem acabe fazendo mais. Há ainda quem opte por congelar os óvulos mesmo quando a coleta resulta em apenas dois óvulos. E cobra-se uma taxa de manutenção de cerca de R$ 1.500 ao ano para manter as células congeladas em nitrogênio, a -196ºC. 

Algumas empresas fornecem auxílio para congelamento de óvulos como benefício para funcionárias, seguindo exemplo de outras companhias de tecnologia como Apple e Facebook. O LinkedIn, por exemplo, oferece reembolso de até R$ 22 mil por tentativa de fertilização, e cada beneficiário pode tentar três vezes, totalizando um apoio de R$ 66 mil.

Quem deixa a gravidez para mais tarde e não congelou óvulos tem outra opção de reprodução assistida: os tratamentos de fertilização. 

A diretora de marketing Renata Almeida, 39 anos, estava grávida de 21 semanas quando conversamos, no fim de abril. Ela é casada há 15 anos, mas o plano de engravidar só veio depois de uma década de relação. Depois de cinco anos, ela recorreu a um tratamento de fertilização. Aos 36, fez a primeira tentativa, mas após dois ciclos de estimulação ovariana liberou apenas três células e nenhuma produziu embriões viáveis. 

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“Foi uma grande decepção. Precisei repensar por motivos financeiros e emocionais”, conta.

No fim de 2021 ela tentou mais uma vez e conseguiu dois embriões viáveis, implantou um deles e deu certo. Grávida, Renata foi promovida de gerente para diretora em janeiro.

Desligamentos em massa

Mas essa não é a realidade para boa parte das brasileiras. Uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas (FGV) que acompanhou 247 mil mulheres que haviam tido filhos entre 2009 e 2012 apontou que metade delas se viu fora do mercado de trabalho até um ano após voltarem da licença-maternidade, a maior parte delas desligadas sem justa causa do emprego.

“Ser mãe é um marcador excludente em uma sociedade que massacra mulheres com filhos”, diz Roberta Sotomaior, CEO da startup Bloom Care. O negócio da empresa é trabalhar com RHs que desejem oferecer suporte a mulheres. A companhia tem uma equipe multidisciplinar de profissionais de saúde, como médicos de família, psicólogos e nutricionistas. A Bloom Care recebeu R$ 3 milhões em uma rodada pre-seed (investimento inicial) no fim do ano passado.

Quando o assunto é tratamento de fertilidade, Roberta comenta que uma das preocupações é garantir que a paciente aja de acordo com o seu desejo. “Quem definiu se essa pessoa precisa congelar óvulos? É importante que seja uma vontade dela e não uma pressão do contexto social.” Temos uma cultura que desde muito cedo deixa as mulheres ansiosas com o caminho da maternidade. Aprendemos muito cedo a evitar filhos e depois como ter filhos, e nunca conseguimos relaxar”, diz.

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Dados do Centro de Medicina Reprodutiva de Bruxelas, um dos maiores da Europa, indicam que apenas 7% das pacientes que congelaram óvulos entre 2009 e 2017 retornaram à clínica para fertilizar e implantar as células. Destas, apenas um terço conseguiu engravidar. Ou seja: o “seguro-maternidade” não é tão seguro assim.

O que leva mulheres a adiar a maternidade não tira o sono dos homens: ninguém será demitido porque virou pai. Roberta, da Bloom Care, relata que quando discute a possibilidade de licença paternidade estendida para homens com as empresas, muitas gostam da ideia. Só que gostar não é suficiente. “Sempre pergunto se os executivos da empresa tirariam a licença maior para dar o exemplo, e eles demonstram ter medo de serem substituídos durante o período. Pois é, bem- vindos ao clube”, diz. 

Na Suécia cada casal tem direito a 16 meses de licença remunerada para cuidar dos filhos. O tempo pode ser distribuído entre pai e mãe como o casal desejar, mas cada um deles precisa tirar pelo menos 90 dias. Mesmo lá, onde a igualdade de gênero é uma política nacional, apenas 30% dos homens tiram oito meses de licença. A maioria prefere ficar menos tempo longe do trabalho e transferir seu período restante à mulher. Em suma, a tecnologia do congelamento de óvulos ajuda a planejar a carreira. Mas a solução real para o problema das mulheres requer mudanças culturais profundas – só que essa ainda parece ser uma realidade distante. 

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