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Meritocracia para quem?

Por que a crença de que o esforço individual é o único motor de sucesso começa a ser questionada no mundo corporativo.

Por Ricardo Sales, colunista da VOCÊ S/A
9 out 2020, 11h01
 (Pocky Lee/Unsplash)
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Existe uma movimentação interessante acontecendo no meio empresarial brasileiro. Ela ainda é sutil, por isso pode passar despercebida a observadores menos atentos. Mas ganhou velocidade nos últimos meses: pela primeira vez, o conceito de meritocracia vem sendo problematizado em algumas das grandes organizações do país.

Antes um dogma inquestionável, a ideia de que basta o esforço individual para crescer na carreira já não é mais palavra de ordem entre todos os executivos – pelo menos não entre o pessoal com mais raciocínio crítico, sensibilidade social ou, vá lá, alguma preocupação em não passar recibo de desinformado.

O conceito de meritocracia é falho desde a sua origem, sobretudo em sociedades desiguais e preconceituosas como a nossa. Afinal, como falar em competir por igual num país em que as pessoas partem de lugares tão distintos? A desigualdade social, aprofundada pela pandemia do novo coronavírus, acentuou essas contradições.

A meritocracia falha também ao colocar na conta do indivíduo a responsabilidade exclusiva por seus sucessos e fracassos, ignorando que estamos todos sujeitos a estruturas sociais maiores. Esse sistema nos posiciona uns à frente dos outros em termos de acesso e oportunidades. O discurso do protagonismo, tão em voga na gestão de Recursos Humanos, muitas vezes reforça essas ideias equivocadas. Lembro até hoje de uma diretora de RH que comentou, em uma entrevista à imprensa, que a empresa não pagaria mais cursos de inglês para os funcionários. O motivo? Eles precisavam ser “donos das próprias carreiras”. Constrangedor.

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(Arte/VOCÊ S/A)
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Entre as razões que têm levado o conceito da meritocracia a ser visto de forma mais cautelosa em alguns ambientes é a emergência mundo afora de movimentos sociais denunciando as injustiças. O crescimento do debate sobre diversidade nas organizações também contribuiu para alavancar essa discussão.

A esse respeito, vale dizer que práticas de inclusão não significam favorecimento a grupos historicamente excluídos. É, sim, uma revisão dos processos perpetuadores das desigualdades. Em outras palavras: ninguém jamais vai ser contratado ou promovido numa empresa única e exclusivamente por ser mulher ou uma pessoa negra, por exemplo.

O que a lente da diversidade vai fazer é, justamente, impedir que o fato de ser uma mulher ou uma pessoa negra seja um empecilho para a entrada ou crescimento na organização – como ainda acontece, de forma sutil ou nem tanto, em vários ambientes.

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A ideologia meritocrática forjou a cultura de muitas empresas no Brasil. Era um esforço em dar ares de isenção e imparcialidade a processos pouco transparentes, caracterizados muitas vezes pelo compadrio e proteção de interesses dos privilegiados de sempre.

Depois de muito tempo, esse mantra está em suspenso. Não por mera crise de consciência do empresariado, mas pela maior compreensão de que talentos diversos acrescentam valor ao negócio. Que façamos avançar o debate.

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