O mercado brasileiro vai precisar de 797 mil profissionais de TI até 2025, de acordo com uma estimativa da Brasscom, a associação das empresas do setor de tecnologia. Mas as universidades formarão apenas 265 mil. Um caso agudo de muita demanda com pouca oferta. E o resultado é óbvio: os profissionais da área passam a ser disputados a tapa. Por conta disso, um ramo do RH tem se sobressaído: o dos tech recruiters.
Qual é a diferença entre recrutar gente de TI e de outras áreas? Neste momento, pelo menos, muita. Priscila Magalhães, gerente de recrutamento para cargos de tecnologia da Randstad, uma agência de RH, explica: “Quando você divulga uma vaga corporativa, as pessoas se aplicam e você consegue um grupo para poder selecionar. No caso da TI, não. Se a gente só divulgar uma vaga, não temos aplicação”.
Pois é. Os profissionais de TI não estão acostumados a procurar emprego, mas a receber ofertas. E não são poucas. “Precisamos de um exército para encontrar essas pessoas no mercado. É um processo mais difícil. Temos dificuldade até em obter retorno. Eles são tão abordados que é como se nem tivessem mais tempo de dizer ‘não, obrigado’. Acabam respondendo, de fato, apenas a quem lhes interessa responder”, complementa.
Para caçar os talentos de que precisa, então, o tech recruiter deve transitar bem no universo da tecnologia. É essencial participar de fóruns e comunidades online, frequentar eventos que reúnam profissionais da área e formar uma rede de contatos que faça boas indicações.
Isso vai ajudar também com a principal competência para um tech recruiter: entender de TI. “Eles não querem sempre ter que explicar o que fazem. Se é um desenvolvedor, pode ser de front end, back end ou full stack. Minimamente, precisamos analisar o currículo do candidato, identificar o que ele faz e saber as diferenças”, afirma Priscila.
Em tempo: front end é a parte gráfica de um sistema, ou seja, aquela com a qual o cliente vai ter contato (a interface de um site de e-commerce, por exemplo). Back end é a programação dos servidores, aquela parte que os olhos do usuário não veem – mas que o coração sente, quando dá pau. E full stack é o pacote completo.
Estar apto a ter uma conversa fluida sobre o lado técnico dos cargos não requer um conhecimento profundo, claro. Grande parte dos recrutadores tech já atuavam em RH antes. São formados em Psicologia, Gestão de Recursos Humanos ou Administração. Eram generalistas com algum tempo de experiência, que aproveitaram a cena favorável à TI para se tornarem tech recruiters.
Priscila destaca que a maior parte desses profissionais aprendeu sobre tecnologia dentro das próprias empresas em que atuam. Na raça mesmo: apelando aos colegas de TI e estudando os conceitos da área. A propósito: estudar é uma constante para um tech recruiter, já que é necessário acompanhar a evolução dos sistemas de software, e entender como isso cria novas funções dentro das companhias.
Mas também há formas mais profissionais de ampliar o conhecimento nessa área do RH. Quem estiver disposto a investir pode se matricular em cursos específicos para formação de tech recruiters. Já existem vários no mercado. “Normalmente, são ministrados por profissionais de recursos humanos e professores de TI. Eles ajudam a entender o universo tech e a cultura do setor.”
Em empresas maiores, a área de tech recruiting é mais complexa. Aí não basta uma pessoa do RH com essa especialidade, mas toda uma equipe, com um gestor dedicado a ela. “Tem uma posição superemergente: a de lead tech recruiter. Trata-se de um cargo ainda técnico, mas que também tem um upgrade de liderança.”
A psicóloga Nathalia Bertolino ocupa essa posição no Grupo Boticário. Vamos à história dela.
As competências-chave
Em quase uma década de carreira, Nathalia passou por pequenas consultorias de RH e pelo Magazine Luiza. Lá, onde trabalhou por três anos, teve o primeiro contato com o recrutamento para TI. “Sempre foi um mercado que me chamou a atenção. Busquei me manter atualizada mesmo quando não trabalhava nesse meio”, conta.
No início de 2020, foi contratada como tech recruiter pelo Boticário. Seis meses depois, a empresa decidiu criar um time de RH especializado na área. E Nathalia ganhou uma promoção, para lead tech recruiter. Hoje, tem 13 pessoas em sua equipe, cada uma delas recrutando para um dos diversos times de tecnologia da companhia.
Lá, Nathalia explica, o fluxo de trabalho começa com o desenho de um perfil para a vaga, feito junto à liderança que precisa preencher a posição em aberto. “Costumamos ter um bom panorama dos setores por causa da divisão de trabalho que fazemos. Então, sabemos quais os principais produtos, as atividades e os indicadores de cada um. Mas, ainda assim, procuramos obter o melhor entendimento possível do perfil técnico e comportamental que a posição exige.”
No Boticário, uma saída para facilitar a caça de talentos foi criar um programa interno de indicações. O RH divulga a vaga em aberto para os colaboradores da área de tecnologia, e eles indicam conhecidos do mercado. Se der certo e a pessoa acabar contratada, o funcionário que indicou ganha uma recompensa.
Em paralelo, os recrutadores lançam mão dos recursos que estiverem ao alcance. “Temos um trabalho muito forte de hunting, de busca de pessoas”, diz. E aí entra a parte de sair para caçar em eventos – o que exige jogo de cintura. “Participamos de eventos não só para obter candidaturas. Estamos lá apresentando a empresa, porque enquanto as pessoas não souberem o que a gente está fazendo, as tecnologias que estamos usando, fica difícil trazer alguém. E também, muitas vezes, vamos abordar a pessoa para dizer que o perfil dela faz muito sentido para nós, mas que se ela discordar e puder indicar outras pessoas, ótimo.”
Outra competência que Nathalia aponta é a capacidade de tomar decisões rápidas, de forma autônoma, já que os processos de seleção em TI são mais dinâmicos do que o normal. “Para nós, o processo de seleção tradicional não funciona, absolutamente. Você precisa correr o tempo todo, para que o candidato não receba outra proposta. É preciso ter proatividade para inverter ou eliminar etapas”, diz.
Para que isso seja possível, é fundamental que a relação entre os tech recruiters e as lideranças da área de TI seja a mais próxima possível. “É preciso pensar nos líderes como parceiros, não como clientes. Até brinco com o time, dizendo que a gente está começando a se distanciar do RH e indo muito mais para o mundo da tecnologia.”
Um dia na vida
Atividades-chave
Traçar o perfil de cada vaga, atrair candidatos em eventos e redes sociais, buscar indicações dentro da comunidade de profissionais de TI.
Quem contrata
Agências de recrutamento e seleção costumam ter uma equipe exclusiva de tech recruiters. Empresas também estão ampliando suas áreas de RH com equipes especializadas em tech recruiting.
Pontos positivos
Como a escassez de profissionais de TI deve persistir nos próximos anos, o mercado para os tech recruiters tende a seguir crescendo.
Pontos negativos
Não há um consenso do que é necessário para se tornar um tech recruiter. Em algumas empresas, uma breve vivência anterior será suficiente. Para outras, pode haver necessidade de conhecimentos mais específicos.
Principais competências
Traquejo social, para buscar profissionais em eventos e divulgar as oportunidades que a empresa traz aos profissionais de TI, e proatividade: o processo seletivo em TI precisa ser dinâmico, diante da chuva de ofertas que os candidatos recebem.
O que fazer para atuar na área
A graduação exigida é a mesma dos profissionais generalistas de RH. Pode ser Psicologia, Gestão de Recursos Humanos, Administração… Para quem deseja se especializar, porém, há cursos de preparação para tech recruiters.
Salário médio
R$ 3,8 mil*
Salário alto
R$ 7 mil*
*Fonte: Glassdoor