O diagnóstico precoce é muito importante para a medicina. Centenas de pesquisas são realizadas a cada ano para que se possa detectar com a maior antecedência possível câncer, doenças cardíacas, Alzheimer – um estudo recente acerca desta última inclusive fala de um exame que avaliará biomarcadores (indicadores mensuráveis) que poderão dizer, com quase dez anos de antecedência, se a pessoa apresentará sintomas da doença.
No caso de depressão e ansiedade, pesquisadores brasileiros vêm desenvolvendo modelos que permitirão ajudar a prever sua ocorrência. E as informações para esses modelos vêm de duas fontes de que não há mais como nos afastarmos hoje: redes sociais e IA (inteligência artificial).
O aumento de casos de depressão e ansiedade é um dos muitos legados sombrios deixados pela pandemia de covid-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS) aponta que, apenas no primeiro ano da pandemia, ocorrências desses dois transtornos mentais aumentaram em 25%. Mas, já em 2019 – ainda antes da pandemia, portanto –, cerca de 1 bilhão de pessoas vivia com algum tipo de transtorno mental, segundo dados do World Mental Health Report de 2022.
No Brasil, o Ministério da Saúde lançou em junho do ano passado iniciativas no SUS (Sistema Único de Saúde) para atender pacientes com ansiedade e depressão. O órgão fez uma revisão recente de 29 pesquisas e verificou que, antes da pandemia, sintomas depressivos eram comuns em 12,9% dos jovens e adolescentes; durante a pandemia, a taxa subiu para 25,2%. Quanto à ansiedade, os percentuais verificados foram de 11,6% e 20,5%, respectivamente.
Quando se observa os casos de burnout, o que se vê em pesquisa da empresa Gattaz Health & Results, divulgada em outubro de 2022, é que 18% dos brasileiros – quase um em cada cinco – sofre com a síndrome – e além disso, 43% disseram ter sintomas de depressão e 13%, de ansiedade.
Não há como negar que, se for possível antecipar qualquer ocorrência de sintomas de depressão e ansiedade, os benefícios serão imensos, para pacientes e sistemas de saúde. E os “rastros” que deixamos em nossas interações digitais são uma fonte de dados que não se pode ignorar – até porque esses rastros tendem a ser cada vez mais amplos e numerosos, sem que haja sinais de reversão dessa tendência. Nada mais lógico que buscar, em toda a trilha que deixamos, indícios que possam auxiliar o diagnóstico para depressão e ansiedade.
Com isso em mente, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) estão usando inteligência artificial (IA) e o Twitter, uma das maiores redes sociais do mundo, para criar modelos de previsão de ansiedade e depressão que possam, no futuro, fornecer sinais desses distúrbios antes do diagnóstico clínico. A base de dados em construção pelos pesquisadores foi batizada de SetembroBR – uma lembrança à campanha anual do Setembro Amarelo (de prevenção ao suicídio) – e usa informações buscadas no Twitter, de mais de 3,9 mil usuários da rede – incluindo informações da rede de conexões desses usuários.
O resultado é uma base que soma cerca de 47 milhões de tuítes públicos. Nessa massa de informação, o modelo busca padrões que mostram, por exemplo, que no discurso de indivíduos com depressão há uma tendência a que se faça referência a temas como “morte”, “crise” e “psicólogo” – e que se fale mais em primeira pessoa. Não são os únicos sinais, claro. A ferramenta ainda é parte do estudo, sem aplicação prática no diagnóstico desses transtornos.
Estamos no início dos desenvolvimentos dos elos entre tecnologia e saúde. A pandemia acelerou o processo, mas ainda estamos no princípio: quando chegarmos ao fim do próximo quarto do século 21, mal se pode dizer hoje em que ponto se estará. O profissional de saúde não será substituído pela máquina, mas está fará do diagnóstico precoce uma rotina, e essa é uma das maiores vantagens que a tecnologia digital poderia ter trazido à medicina. O uso das redes sociais poderá, enfim, ser mais do que uma forma de recreação – nem sempre saudável, ainda mais em exagero (como tudo na vida): virão dali dados que poderão ajudar a promover a saúde mental.