É comum profissionais e empresas me perguntarem sobre as competências do futuro. De um lado, as pessoas querem saber como elas podem se desenvolver para continuarem relevantes no mercado. De outro, as organizações buscam pelas habilidades que ajudarão a guiar seu negócio com sucesso nos próximos anos.
Apesar de não acreditar em receitas de bolo e de saber que a resposta para uma pergunta como essa depende de uma série de fatores, posso afirmar com segurança que existe uma competência que sempre foi relevante no mercado — e continuará sendo. Uma característica que, no entanto, nem sempre é valorizada e estimulada.
Estou falando da curiosidade, tema da palestra de abertura do evento de lançamento da nova edição da pesquisa Carreira dos Sonhos, realizada há 22 anos pela Cia de Talentos.
Na ocasião, Simon Brown, Chief Learning Officer da Novartis Suíça, membro do conselho consultivo da HULT EF, e coautor do livro “The Curious Advantage” (“A Vantagem da Curiosidade”, em tradução livre para o português) afirmou que 26% das habilidades atuais serão irrelevantes daqui três anos. A curiosidade, no entanto, irá sobreviver a impiedosa passagem de tempo.
Mais do que isso: para o especialista, esse desejo de aprender e investigar é o que garantirá a relevância do ser humano frente à tecnologia, que já consegue desempenhar muito-bem-obrigada várias funções antes feitas exclusivamente por nós. Isso porque a curiosidade é um atributo muito característico da raça humana e é o que nos ajuda a expandir o conhecimento, chegar a lugares inesperados e gerar ideias inovadoras.
Sem a nossa curiosidade, aliás, não teríamos a própria inteligência artificial.
Agora, tem um detalhe importante nessa história toda: saber qual é a competência do futuro não é garantia de nada. Pode parecer óbvio dizer isso, mas profissionais e empresas precisam se dedicar ao desenvolvimento deste “espírito investigador”. E, infelizmente, não é exatamente isso o que tem acontecido…
Desenvolvimento dentro da empresa
Um dos dados desta edição da Carreira dos Sonhos que nos chamou a atenção foi que apenas 41% do total de 91.380 respondentes disseram que a empresa onde trabalham tem uma estratégia para treinar as pessoas considerando o novo conjunto de habilidades necessário para o futuro. Além disso, identificamos que só 48% realizam atividades conectadas com suas habilidades e interesses.
Somado a isso, Simon Brown explicou em sua palestra que, ao longo da sua investigação sobre a tal competência, descobriu que existem dois grandes impedimentos para o desenvolvimento e o uso da curiosidade como habilidade profissional. Um deles tem a ver com a própria empresa, e o outro está ligado ao indivíduo:
- A liderança não estimula a curiosidade;
- As pessoas não têm tempo para aprender novas coisas, ampliar o conhecimento por meio da curiosidade.
Diante disso tudo, fica um apelo: precisamos mudar urgentemente essa realidade. Afinal, precisamos de pessoas e organizações preparadas para navegar com alguma segurança no futuro — alguma porque, em um mundo BANI, a segurança total é uma ilusão.
Como podemos cultivar a curiosidade
Entendo que, sim, é importante ter um ambiente de trabalho que abra espaço para isso e que, mais ainda, apoie as pessoas a desenvolverem tal competência. Porém, independentemente do cenário no qual você encontra, existem alguns passos que podem ajudar nessa jornada.
Em seu livro, Simon fala sobre sete Cs importantes para quem quer ser uma pessoa mais curiosa, mas não sabe muito bem por onde começar. São eles:
- Contexto: entenda o contexto no qual você está e o que você gostaria de investigar, o que instiga a sua curiosidade. Neste momento, você pode anotar algumas perguntas que vêm à mente quando pensa nesse “objeto de investigação”;
- Comunidade: feito isso, compartilhe essas perguntas com outras pessoas. Pense em quais profissionais e especialistas podem ajudar a respondê-las, quem pode dar algum direcionamento e compartilhar saberes. Esse processo irá gerar uma série de informações que serão trabalhadas na próxima etapa;
- Curadoria: somos bombardeados por informações o tempo todo, por isso, é fundamental sabermos selecionar aquilo que realmente importa para a nossa investigação. Ou seja, não basta fazer as perguntas certas para as pessoas certas, precisamos ter a capacidade de filtrar;
- Criatividade: na hora de fazer essa “peneira” de informações, a criatividade pode ser um recurso interessante. Analise como o conhecimento adquirido pode ajudar a resolver as suas questões, como você pode usar informações existentes para transformar um contexto, para desbravar novos caminhos, para pensar em soluções… Aqui, é a hora de trabalhar o material colhido de um modo que faça sentido para a sua demanda, de uma forma nova — ou seja, de um jeito criativo.
- Construção: até agora, o exercício era mais teórico, mas este é o momento de testar o resultado da sua curiosidade. Transforme a teoria em prática, teste e, principalmente, analise o resultado de maneira crítica;
- Criticidade: esta é a hora de refletir sobre o que você fez, quais foram as consequências, quais vieses interferiram no processo, o que funcionou e o que não funcionou. Isso sem vergonha e sem vaidade, pois uma pessoa verdadeiramente curiosa sabe que erros também são grandes fontes de aprendizado e conhecimento;
- Confiança: de acordo com Simon Brown, toda essa jornada leva a esse último C. É que o processo de entender o contexto, consultar a comunidade, fazer a curadoria, usar a criatividade, colocar a teoria em prática e analisar os resultados com criticidade ajudam a fortalecer o senso de confiança de uma pessoa, que, no fim das contas, se sente animada para começar a jornada da criatividade novamente.
Como expliquei no começo, não existem receitas de bolo para a carreira, então, encare esses “7 Cs” como um primeiro passo para o desenvolvimento da competência do futuro. Seja uma pessoa curiosa e coloque essa proposta em teste.