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Entenda de uma vez a síndrome do impostor

A sensação crônica de ser uma fraude no trabalho – especialmente quando você é bem-sucedido – é mais comum do que parece. Ainda assim, trata-se de um problema pouco investigado pela psicologia e incompreendido pelo público. Entenda o que realmente se sabe sobre o fenômeno.

Por Bruno Vaiano | Ilustração: Vini Capiotti | Design: Brenna Oriá | Edição: Alexandre Versignassi
12 Maio 2023, 05h00
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 (Vini Capiotti/VOCÊ S/A)
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Desde 2017, circula no Tumblr um texto de Neil Gaiman, em que o autor de Coraline conta sua conversa com um velho piloto de caça, veterano da Guerra da Coreia. 

Alguns anos atrás, eu tive a sorte de ser convidado para uma reunião de grandes e boas pessoas: artistas e cientistas, escritores e descobridores de coisas. E senti que, a qualquer momento, eles perceberiam que eu não tinha qualificação para estar ali, junto dessas pessoas que realmente haviam feito algo.

Na minha segunda ou terceira noite lá, eu estava de pé nos fundos de um salão e conversava com um idoso, muito simpático e educado, sobre várias coisas, incluindo o fato de que nós dois nos chamamos Neil. Então ele apontou para o salão e disse: “Eu olho todas essas pessoas e penso: que diabos eu estou fazendo aqui? Elas fizeram coisas incríveis, eu sou só o lugar para onde me mandaram”.

Respondi: “Mas você foi o primeiro homem a pisar na Lua. Acho que deve valer alguma coisa, não?” E me senti melhor. Porque, se o Neil Armstrong se sente um impostor, talvez todo mundo se sinta. 

Gaiman deu sorte de tropeçar em alguém com calibre suficiente para servir de consolo. Não há muita gente no mesmo patamar: o roteirista da HQ Sandman venceu 77 prêmios de literatura e quadrinhos, e estima-se que suas obras tenham vendido 45 milhões de cópias. Ele próprio calcula que só sua caneta-tinteiro favorita tenha distribuído 1,5 milhão de autógrafos. Supondo que cada assinatura tenha levado dois segundos, ele passou pelo menos 34 dias inteiros de sua vida escrevendo seu nome para fãs.

Por qualquer parâmetro, Gaiman é um dos profissionais mais bem-sucedidos do mundo em sua área de atuação. Mas não está sozinho na ilusão de ser uma fraude. Meryl Streep, Emma Watson, Lady Gaga, Natalie Portman, David Bowie e Tom Hanks são alguns ídolos que já soltaram, em entrevistas, frases como “eu sempre penso em quanto tempo vai demorar para eles descobrirem que eu sou uma fraude e tirarem tudo de mim” (Hanks), ou “às vezes eu ainda me sinto uma criança fracassada no colégio e preciso me lembrar que sou uma estrela” (Gaga). 

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(Vini Capiotti/VOCÊ S/A)
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Essas são manifestações do problema que os usuários de redes sociais e a mídia convencionaram chamar de síndrome do impostor. O termo correto, empregado em artigos científicos, é fenômeno do impostor, já que (entre outras razões que vamos explorar) ele não é oficialmente um distúrbio mental: não consta da Classificação Internacional de Doenças (CID) da OMS, nem do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM).

O fenômeno consiste na sensação crônica, recorrente, de que você não fez por merecer o cargo que ocupa, o salário que ganha, o diploma que tem ou outras conquistas. Esses “impostores” autodeclarados atribuem seu sucesso à sorte, a surtos momentâneos de esforço ou a uma capacidade nata de engambelar os outros e passar uma boa impressão – mesmo quando recebem validação externa de chefes, colegas, professores ou um estádio lotado de fãs. 

Uma vez que o pensamento intrusivo se instala, uma carreira promissora pode se tornar um exercício diário de autoboicote. O indivíduo afetado pode, por exemplo, se abster de falar de seu trabalho publicamente ou de divulgá-lo no LinkedIn e em outras redes sociais, por medo de que os holofotes revelem a tal fraude. E assim ele perde visibilidade, oportunidades de emprego… Outra possibilidade é se tornar um workaholic, já que a dedicação doentia é um caminho para demonstrar a si mesmo que você merece o que tem. 

Surtos de procrastinação entram em cena (se seu chefe nunca olhar seu trabalho terminado, ele nunca vai descobrir que você é ruim no que faz), bem como um perfeccionismo paralisante (talvez sua intenção até seja entregar o trabalho, mas ele ainda não está – nem nunca estará – bom o suficiente). E o sucesso não é a cura. Pelo contrário: quanto mais o impostor é elogiado ou reconhecido, mais ele sente que o castelo de cartas da sua farsa cresceu um pouquinho. E quanto mais alto é o castelo, maior o risco de ele desabar. É um ciclo. 

Essa ilusão de incompetência crônica virou um assunto recorrente nas redes sociais por volta de 2010, e a produção acadêmica reflete a popularização do tema, já que os estudiosos parecem ter redobrado seus esforços para atender à curiosidade do público leigo: metade de tudo que já foi publicado sobre o fenômeno do impostor na literatura especializada saiu a partir de 2013 (veja o gráfico abaixo).

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(Arte/VOCÊ S/A)

Na década de 1990, o fenômeno era conhecido de alguns poucos psicólogos. Também não era abordado em jornais ou mesas de bar. Hoje, por outro lado, não falta quem diga já ter se sentido impostor em algum momento da vida. A prevalência varia de pesquisa para pesquisa (de 9% a 82%), e 70% é o dado mais citado. Sim, há uma incerteza imensa nesses números, e já vamos explicar por quê. Mas o fato é que, numa análise superficial, o problema parece afetar mais os millennials (nascidos entre 1980 e 1999) do que as gerações anteriores. 

Aqui, temos um paradoxo Tostines, aquele do comercial de bolacha: “vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?”. Será que a síndrome do impostor se tornou um assunto mais popular porque mais pessoas estão sofrendo do problema, ou será que o número de pessoas que se identificam com a descrição aumentou porque o assunto se popularizou e alcançou mais gente? 

A resposta certa provavelmente é um pouco de cada coisa: “Sem dúvida o assunto está recebendo muita atenção, mas acredito que as redes sociais, o trabalho via Zoom e outros fatores de stress da vida contemporânea estão tornando o sentimento de impostor mais prevalente”, diz a médica Dena Bravata, da Universidade Stanford, que fez a primeira compilação e revisão sistemática dos trabalhos acadêmicos publicados sobre o assunto desde 1978 – quando as psicólogas Pauline Clance e Suzanne Imes cunharam o termo “fenômeno do impostor”.

82% ou só 9%? As estimativas para a prevalência do fenômeno do impostor na população
variam radicalmente.

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É difícil ir muito além do “provavelmente” ao afirmar qualquer coisas sobre o fenômeno. O trabalho de Bravata e seus colegas revelou que os artigos científicos publicados sobre o impostorismo ainda são poucos e não muito esclarecedores – mesmo com o boom recente na produção. Eles identificaram 215, e só 66 preenchiam certos pré-requisitos de qualidade ou relevância (como trazer dados sobre prevalência, comorbidades ou eficácia de tratamentos). Somados, esses 66 avaliaram apenas 14 mil pessoas. Em áreas de pesquisa mais bem estabelecidas, um único estudo pode contar com esse tanto de voluntários. 

O que essas pesquisas permitem afirmar é que o fenômeno está correlacionado com depressão e ansiedade, que ele é mais frequente em mulheres e minorias étnico-raciais e que está associado a burnout e insatisfação com o trabalho. Só. Os dados para alguns “fatores de risco” citados com frequência internet afora, como pais exigentes ou superprotetores, ainda são frágeis ou inexistentes. E, o mais importante: nenhum estudo, até hoje, avaliou a eficácia de tratamentos. Quem sofre do problema está na mão.  

Quase todos os 66 papers avaliados seguem o mesmo roteiro: usam um questionário, às vezes acompanhado de entrevistas individuais, para avaliar a incidência do fenômeno do impostor em um grupo de pessoas sem representatividade estatística – ou seja, que não é numeroso nem diverso o suficiente para ilustrar a população como um todo, como ocorre em uma pesquisa de intenção de voto, por exemplo. Isso explica por que a prevalência varia entre 9% e 82%: cada questionário e cada grupo geram resultados diferentes. E esse problema com as amostras é antigo: data da própria origem do conceito.

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(Vini Capiotti/VOCÊ S/A)

O começo 

De início, lá em 1978, Clance e Imes pensavam que o fenômeno afetava quase exclusivamente mulheres bem-sucedidas. O texto original da dupla de psicólogas se baseou em 95 estudantes, professoras e profissionais qualificadas, com idades entre 20 e 45 anos, todas próximas das pesquisadoras (algumas eram pacientes, outras trabalhavam ou estudavam na Universidade do Estado da Geórgia, onde Clance e Imes lecionavam). O artigo viralizou à moda antiga: logo elas estavam distribuindo cópias mimeografadas a rodo para seus colegas acadêmicos. 

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Clance e Imes identificaram duas histórias de vida comuns às suas voluntárias. Uma é o clichê da criança-prodígio. Meninas que os pais identificaram desde cedo como talentos crescem sob uma bigorna de cobrança, e é claro que nem Marie Curie foi perfeita: todo mundo se dá mal em provas ou processos seletivos às vezes. Com expectativas tão altas, elas se tornariam adultas que duvidam de si mesmas facilmente.

O outro grupo consistia em meninas com irmãos (em geral, homens) que eram considerados prodígios. No afã de chamar a atenção dos pais, elas cresceram se dedicando com afinco aos estudos e hobbies. Mas seus feitos – notas altas, medalhas em competições esportivas etc. – nunca recebiam o mesmo reconhecimento. A ideia, nesse caso, é que a negligência no passado estaria por trás da falta de autoconfiança no presente. 

Quase cinco décadas depois, sabemos que não é muito frutífero especular sobre histórias de vida padronizadas como essas. Cada pessoa é um universo à parte. Os psicólogos preferem pensar em correlações: características que aparecem com mais frequência em quem sofre do fenômeno do impostor. Uma das mais fáceis de verificar é que o problema de fato tem uma prevalência maior em mulheres e outros grupos que sofrem discriminação no mercado de trabalho e no mundo acadêmico, como minorias étnico-raciais.  

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(Vini Capiotti/VOCÊ S/A)

Dos 66 artigos da revisão de Bravata, 33 diferenciavam os dados por gênero, e 16 deles indicavam incidências significativamente mais altas entre mulheres (os outros 17 mostravam paridade entre os sexos). Por sua vez, os 11 artigos que diferenciaram pessoas brancas de não-brancas revelam que o problema é comum nos participantes não-brancos. 

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16 dos 33 estudos que diferenciam gênero mostram que as mulheres sofrem mais do fenômeno do impostor.

Não é difícil entender por quê: essas pessoas precisam se esforçar mais para obter menos reconhecimento que seus pares. E, quando elas conseguem chegar ao topo, não encontram muita gente parecida ao redor para dar apoio ou servir de inspiração. Vide alguns dados sobre gênero, especificamente: mulheres têm 14% menos chances de serem promovidas, recebem 24% menos conselhos e orientações de gestores e são deixadas de fora com mais frequência na lista de assinaturas de artigos científicos e patentes. No Japão, os salários de mulheres são 26% menores que os de seus pares no mesmo cargo. Mesmo países que tradicionalmente valorizam pautas sociais, como França e Dinamarca, registram uma diferença de 7%. Evidentemente, dados similares (ou até piores) valem para negros, indígenas etc. 

E esse é mais um problema dos psicólogos em usar a palavra “síndrome” em vez de “fenômeno”. “Síndrome”, que é o termo corrente entre leigos, tira o foco do machismo e do racismo, e faz parecer que a culpa é de algo errado no cérebro da pessoa que sofre do problema. Ou, em português claro: não faz sentido falar em síndrome do impostor se você é de fato tratado como impostor. Por esse ponto de vista, não é você que está doente, é o mundo. 

Essa visão sobre o assunto viralizou em 2021, quando duas mulheres negras, Ruchika Tulshyan e Jodi-Ann Burey, publicaram um texto na Harvard Business Review argumentando que “a ideia de síndrome do impostor dirige nosso olhar no sentido de consertar as mulheres trabalhadoras em vez de consertar os lugares em que as mulheres trabalham”. 

Elas têm um ponto. Mas não é uma boa descartar o conceito de fenômeno do impostor como um todo só porque ele é usado de maneira irresponsável internet afora. O importante é evitar o termo “síndrome”, e manter em mente a importância do contexto. “Parte do problema é a maneira como algumas pessoas escolhem focar nessa questão exclusivamente como algo psicológico, individual, sem situá-la em seu contexto social”, explica o professor de psicologia Kevin Cokley, diretor-assistente de iniciativas de diversidade na Universidade de Michigan. “Eu acho importante se referir a ele como fenômeno do impostor racializado quando estamos falando de minorias.” 

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Freud explica?

Ainda que vivêssemos em um mundo utópico, sem racismo ou machismo, ainda haveria gente se sentindo impostora. Prova disso é que até Neil Gaiman tem o problema. É inevitável, portanto, que haja outros fatores em jogo, e o ambiente familiar na infância e na adolescência é um lugar óbvio para procurá-los. Em 1986, oito anos após batizar o fenômeno, Clance tentou novamente sistematizar algumas situações que levariam à sensação de fraude na vida adulta. Chegou a quatro:

1. Ser uma criança que tem interesses e metas diferentes dos de suas famílias (se sua mãe não gosta da sua carreira de músico, talvez ela não dê bola nem para um Grammy lá na frente);
2. Receber feedbacks da família inconsistentes com os do mundo exterior (ser criticado em casa e elogiado lá fora, ou vice-versa);
3. Ser pouco elogiado pelos pais;
4. Aprender, logo cedo na infância, que é imprescindível ter um bom desempenho intelectual para ser bem aceito na sua família.  

Há algum suporte empírico para essas hipóteses, mas elas nem de longe foram testadas o suficiente para termos respostas definitivas. Um estudo de 1990, por exemplo, não encontrou nenhuma correlação entre ocupar certos papéis na família (como ser declarado “a criança inteligente” ou “a criança sensível”) e sofrer do fenômeno do impostor na vida adulta. Correlações desse tipo não faltam: o fenômeno do impostor já foi associado a famílias com muito conflito doméstico, com pais alcoólatras, com o hábito de forçar os filhos a trabalharem e exercerem funções de adulto desde cedo e por aí vai. Promover essas correlações a causações (ou seja, entender como uma coisa leva a outra, se é que uma coisa leva à outra) é uma história diferente, que exige mais estudos, com amostras maiores. 

Mesmo um dos traços mais investigados, a superproteção, rende resultados diferentes conforme o país em que o estudo é realizado, a idade e o gênero dos voluntários e outras variáveis. Ou seja: enquanto gênero e raça têm uma associação mais sólida com a incidência de sentimentos de impostor, o papel dos pais no fenômeno permanece um quebra-cabeça. 

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(Vini Capiotti/VOCÊ S/A)

Como ajudar os “impostores”

Entender de onde sai a sensação de ser um impostor é importante, mas uma deficiência ainda maior da literatura dessa área é que ela não fornece soluções para quem sofre do problema. 

Começa no “diagnóstico” (entre aspas porque não faz sentido falar em diagnóstico para algo que não é oficialmente um distúrbio). Em 1985, Clance criou a Escala Clance de Fenômeno do Impostor – CIPS, na sigla em inglês –, um questionário de 20 perguntas que serve para avaliar a intensidade com que uma pessoa se sente uma fraude profissional ou acadêmica. Desde então, surgiram pelo menos outras três ferramentas do tipo, que você vê no gráfico da pág. 35. Uma revisão sistemática revelou que elas têm propriedades psicométricas satisfatórias, mas que todas precisam de melhorias.

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(Arte/VOCÊ S/A)
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(Arte/VOCÊ S/A)

Ainda que tivéssemos os melhores testes possíveis, porém, identificar quem sofre do fenômeno é só o primeiro passo. Sabemos pouquíssimo sobre como ajudar essas pessoas. Não existem bons dados sobre a eficácia de abordagens comuns na psicoterapia, como a terapia cognitivo-comportamental (TCC). Na ausência de evidências sólidas, Kevin Cokley dá algumas dicas para pessoas que sofrem do mal. “Nenhuma dessas recomendações leva em consideração o contexto social. Mas como os indivíduos têm pouco controle sobre o mundo, é útil dar a eles recomendações que foquem no que pode ser feito individualmente.”

Um primeiro passo importante é falar com amigos e parentes sobre o problema: há uma boa chance de que alguns deles já tenham se sentido assim. Outro hábito saudável é relembrar, periodicamente, suas conquistas. Pode até ser em formato de lista mesmo – algo como “dez motivos pelos quais eu sou um profissional bem-sucedido”. É uma maneira de fugir do olhar crítico viciado sobre si mesmo, e se enxergar como um estranho que acabou de clicar no seu perfil do LinkedIn. Por fim, procure ajuda profissional. O fato de que não há um estudo em larga escala sobre a eficácia de diferentes formas de psicoterapia contra o problema não significa que um psicólogo não possa ajudá-lo com seu caso específico. 

Esse não é um consenso, mas há quem argumente que a reticência em considerar o fenômeno do impostor um distúrbio mental é parcialmente responsável por atrasar a pesquisa científica sobre tratamentos, e que seria hora de promovê-lo ao mesmo patamar do burnout – que entrou na CID em 2021. “Considerando que o sentimento de ser um impostor prejudica o desempenho de um indivíduo no trabalho e em outros cenários, trata-se de uma patologia, contra a qual eles devem poder receber terapias eficazes”, diz Dena Bravata. “Listá-lo pode levar a abordagens mais rigorosas para diagnóstico e tratamento.” 

63% dos jovens afirmam que a falta de autoconfiança afeta suas carreiras, diz uma pesquisa realizada na Inglaterra.*

*Fonte: consultoria de carreira Amazing If.

Essas abordagens se tornaram particularmente urgentes depois que a pandemia fez tantas empresas aderirem ao home office ou regimes de trabalho híbridos, já que cumprir o expediente em casa, longe da chefia e dos colegas, acentua a sensação de que você precisa se provar o tempo todo. Na edição de abril da Você S/A, noticiamos que “empregados em regime exclusivamente remoto relatam se sentir ansiosos com demissões numa frequência 32% maior. Por outro lado, pessoas que vão para o escritório em alguns (ou todos) os dias da semana relatam 24% menos problemas do tipo. Elas sentem mais segurança de que os gestores vão acompanhar e reconhecer suas realizações”.

 

A adaptação ao trabalho em casa foi mais uma complicação para os profissionais de classe média atuais – que, em termos de saúde mental, vão bem pior do que seus pais. Os millennials são o grosso da mão de obra contemporânea: quem tem entre 20 e 40 anos hoje está em algum ponto entre o início da carreira e o auge  das habilidades na profissão. Eles pegaram a crise de 2008, que deixou feridas nos anos seguintes, e o pior vírus respiratório desde a Gripe Espanhola. 

O resultado é a primeira geração mais pobre que seus pais nos últimos cem anos. Nesse contexto, é natural que até pessoas empregadas e bem-sucedidas questionem se merecem as posições que ocupam – especialmente quando passam boa parte do dia nas redes sociais, onde é tão fácil pintar uma imagem idealizada de si próprio: qualquer um pode parecer mais apto a ocupar seu cargo do que você mesmo, já que deles você só conhece as qualidades, não os defeitos. 

O mundo, em suma, tem um arsenal de maneiras de nos colocar para baixo – especialmente se pertencemos a grupos que historicamente não têm direitos ou oportunidades. Mas, na impossibilidade de consertá-lo do dia para a noite, o jeito é aprender a olhar com mais carinho para suas conquistas, de preferência com a ajuda de uma terapia: na ambição de ser sempre melhor no futuro, você não pode esquecer do que já realizou no passado. 

Principais trabalhos consultados: “Prevalence, Predictors, and Treatment of Impostor Syndrome: a Systematic Review”, Dena Bravata e outros; “Impostor Phenomenon Measurement Scales: A Systematic Review”, Karina K. L. Mak e outros; “Measuring the impostor phenomenon: a comparison of Clance’s IP Scale and Harvey’s I-P Scale”, S. W. Holmes e outros; “Why is there a higher rate of impostor syndrome among BIPOC?”, Afran Ahmed e outros; texto “Impostor syndrome? No. Just racism”, de Ebony McGee.

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