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Entenda de uma vez o que é a “agenda liberal” de Guedes, e a celeuma em torno dela

Para começar, a briga não é entre os contra e os a favor da liberdade econômica. É entre monetaristas e desenvolvimentistas.

Por Alexandre Versignassi
Atualizado em 15 ago 2020, 15h22 - Publicado em 14 ago 2020, 12h55
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  • Abelha gosta de flor, e imprensa gosta de jargão. São dois fatos da natureza. Gostaria de comentar aqui sobre a dinâmica entre flores e abelhas, mas vamos ao segundo assunto. O jargão da vez é “agenda liberal”, aplicado à celeuma entre Guedes e o resto do governo. Como todo jargão, ele é correto, mas impreciso.

    O que acontece não é exatamente uma briga o pensamento liberal, que aposta na iniciativa privada, e o estatista, que entende o Estado como o principal agente investidor de um país. A treta é entre outros dois conceitos, mais específicos: o monetarismo e o desenvolvimentismo.

    Começando pelo último. O desenvolvimentismo é uma filosofia de governo que prega o seguinte: o papel do Estado é produzir dinheiro para fomentar o desenvolvimento econômico – construir obras de infraestrutura, compensar os ganhos de quem tem baixa renda e, se for preciso, abrir empresas estatais para criar empregos. Para produzir o tal dinheiro vale tudo: endividar-se no mercado e, em última instância, imprimir dinheiro novo mesmo (“emitir moeda” é o melhor tempo, já que o dinheiro impresso responde por uma fração ínfima de tudo o que circula).

    O pensamento desenvolvimentista teve e tem defensores relativamente díspares: John Maynard Keynes, Franklin Roosevelt, Paul Krugman, Dilma Roussef, José Serra. E, sim, ele faz parte da “agenda não-liberal”, digamos assim. Mas você pode ser liberal E desenvolvimentista – ainda que essa seja uma combinação rara. Mais comum é ser ao mesmo tempo conservador (nos costumes, na cultura, no corte de cabelo) e desenvolvimentista. A Ditadura Militar foi assim – logo, é assim que Bolsonaro também pensa.

    Do outro lado do ringue, temos o monetarismo. Guedes é um monetarista completo. Entre seus pares brasileiros, temos Henrique Meirelles (peça-chave no governo do desenvolvimentista Lula), Pedro Malan (que sucedeu o desenvolvimentista Ciro Gomes no Ministério da Fazenda, em 1995), Armínio Fraga (antecessor de Meirelles na presidência do Banco Central).

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    Um monetarista é um sujeito que “não gosta” de desenvolvimento? Não. Um monetarista entende que a estabilidade da moeda é o colchão para a saúde da economia – já que uma moeda forte, por si só, cria um ambiente mais propício para a realização de negócios. E como é da ganância do padeiro que sai o pão quente de todas as manhãs, um bom ambiente para negócios garante desenvolvimento. Tudo financiado pelos interesses da iniciativa privada. É aí que o monetarismo se encontra com o liberalismo.

    Uma moeda estável é uma moeda que não inflaciona. Se o governo produz dinheiro demais, a moeda perde valor. Logo, um monetarista está sempre de olho na inflação: impedi-la de subir é seu objetivo primordial. Então ele é sempre um cortador de gastos. Quando a inflação deixa de ser uma ameaça (como acontece neste momento), o monetarista adquire um caráter desenvolvimentista: vai baixando os juros paulatinamente. Juros mais baixos significam mais dinheiro no mercado – dinheiro que o próprio Estado produz também, já que o Banco Central empresta dinheiro novo para os bancos a juros mais baixos, e os bancos (se colaboraraem) repassam a baixa ao público. Esse dinheiro flui pelo mercado. E aí, se tudo der certo, surgem mais obras de infraestura, mais empresas, mais empregos, mais renda.

    Qual dos dois modelos está certo? Essa é uma questão mais filosófica do que prática. Os EUA são monetaristas, mas combatem os efeitos nocivos da pandemia com altas doses de desenvolvimentismo. Ou seja: imprimem dinheiro para emprestar a fundo perdido, têm um programa gordo de auxílio emergencial, e não temem aumentar brutalmente a dívida pública – ainda que, quando a moeda que você imprime se chama “dólar” fica mais fácil fazer dívida, já que a demanda pelas notas verdes tende a ser inesgotável. Na Europa, acontece o mesmo.

    No fim, o fato é que há momentos para ser mais monetarista e há momentos para ser mais desenvolvimentista. O valor da moeda, sozinho, não garante nada. Na Europa da Idade Média, a moeda tinha muito valor: dinheiro era feito de ouro e de prata. Mais estável que isso, impossível. E a população vivia na miséria. Moedas depauperadas, porém, também criam miséria (Venezuela) ou, no melhor dos casos, estagnação (Argentina). Há de se cuidar da moeda, portanto.

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    Mas em situações especiais, é necessária alguma flexibilidade nos gastos públicos. Há casos em que ou o governo produz dinheiro para salvar a economia, ou a economia deixa de existir. É o que o mundo desenvolvido está fazendo agora. E é o que Guedes deveria estar fazendo também. Em vez de se aferrar à sua filosofia, talvez discutir um novo teto de gastos, provisório, e arrumar a casa quando a poeira baixar. Seja como for, essa não é a primeira vez que as duas correntes de pensamento econômico batem de frente, nem será a última. E não se trata de uma luta maniqueísta, de um bem contra o mal. Bons economistas são como abelhas. Seu objetivo é criar a melhor colmeia possível – seja de um jeito, seja do outro. E que vença a racionalidade.

     

     

     

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