O sistema financeiro como o conhecemos hoje é uma criação recente. Surgiu em 1971.
Foi quando Richard Nixon aboliu o padrão-ouro. Até ali, países que possuíssem reservas em dólar tinham o direito de trocar a moeda americana por ouro junto ao governo dos EUA. O Tesouro americano se comprometia a estocar o metal em seus cofres, e dá-lo a governos estrangeiros em troca de dólares, a uma taxa de US$ 1,23 por grama (US$ 35 a onça).
A medida servia para que a moeda americana tivesse lastro; para dizer que aquilo não era só um pedaço de papel, mas algo que literalmente valia ouro. E acabava servindo para as moedas dos demais países – ao trocar outros dinheiros por dólares, a conversibilidade em ouro estava garantida.
Esse sistema foi estabelecido em 1944. Mas a ideia de que dinheiro de papel deveria ter lastro era tão antiga quanto o dinheiro de papel. As notas surgiram na Suécia do século 17, e a ideia foi copiada mundo afora – antes disso, carregava-se o lastro no bolso, na forma de moedas de ouro, prata ou bronze.
Mas o padrão-ouro não era perfeito. Cientes de que poucos cidadãos iam à boca do caixa trocar suas notas, governos passaram a imprimir mais dinheiro do que a quantidade de metal nos cofres oficiais permitia. Essa prática criou surtos de inflação. Para sair deles, os países aferravam-se novamente ao padrão-ouro, disciplinando a produção de dinheiro novo.
Em 1971, porém, Nixon entendeu que o lastro não era necessário para garantir tal disciplina. Encerrou a conversibilidade direta de dólar em metal, e matou de vez o padrão-ouro. Nascia ali o dinheiro moderno: algo cuja percepção de valor não vem da existência de um lastro em algum lugar, mas da confiança do usuário; ou seja, a moeda 100% fiduciária, calcada na fé.
Mas desde então sempre houve usuários desconfiados. Se o governo imprimisse dinheiro sem limites, afinal, a moeda perderia todo seu valor. E a economia deixaria de existir. Foi esse temor, na essência, que levou à criação do Bitcoin.
O Bitcoin simula o ouro por ter suprimento limitado – só existem 21 milhões de unidades, das quais 19,6 milhões já foram “mineradas”. Como não dá para produzir mais Bitcoins além desses, ele é imune à inflação. Mas a grande contribuição das criptomoedas para o futuro do dinheiro não é essa. O salto ali foi outro: o de conferir certificados de propriedade automaticamente, na hora em que você compra algo ou faz um investimento usando cripto.
Essa tecnologia foi instituída por outra cripto, o Ethereum (ETH). Dá para você colocar ETHs numa DeFi (“corretora automatizada”). O software da DeFi empresta seus ETHs no mercado e paga uma taxa de juros para você – igual ao que um banco faz com o dinheiro dos CDBs, mas com uma diferença: você não precisa abrir conta.
A mágica acontece porque tanto a circulação de ETHs como os softwares das DeFis rodam sobre o mesmo sistema, a blockchain do Ethereum. Está registrado ali que os ETHs pertencem a você, à sua “carteira digital”. Tendo uma carteira digital (como a MetaMask), você movimenta suas criptos por todo o ecossistema de DeFis, sem nunca abrir uma conta. E agora países começam a desenvolver um “novo dinheiro” com base nessa mecânica. O Brasil está na linha de frente, com o BC testando o Drex – o real digital.
O Drex é basicamente um “Ethereum do Banco Central”. A ideia é que a venda de títulos públicos, por exemplo, role na mesma blockchain do Drex. Isso vai permitir a compra e venda instantânea de títulos, sem o intermédio de uma instituição financeira, e 24 horas por dia, sete dias por semana. Num futuro mais distante, o certificado de posse de um veículo, digamos, poderá ir para as suas mãos no momento em que você comprar o carro usando Drex, sem burocracia – caso a venda do automóvel aconteça dentro da blockchain do real digital.
Será um salto evolutivo na história do dinheiro. Na verdade, já é. Na reportagem de capa da Você S/A de fevereiro, a editora Tássia Kastner mostra como o mercado de ativos tradicionais (não-cripto) já está usando sistemas de blockchain, antes mesmo do Drex.