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Caso Milei: para que serve um banco central

Entenda por que combater a inflação dolarizando a economia equivale a matar a vaca para eliminar o carrapato.

Por Alexandre Versignassi
8 dez 2023, 05h15
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 (jopstock/Getty Images)
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Parecia promessa de campanha de candidato folclórico, estilo Cabo Daciolo, Padre Kelmon ou Enéas: acabar com o banco central. E era mesmo. Só que o postulante excêntrico venceu na Argentina, e agora Javier Milei colocou o fim do BC local como meta de governo.  

Ele até tem seus motivos. A Argentina criou um mecanismo financeiro altamente tóxico: as Leliqs (Letras de Liquidez do Banco Central). São títulos públicos cujo rendimento é pago não pelo governo em si, mas pelo BC – via impressão de dinheiro. 

Isso não existe em economias sérias, como a do próprio Brasil. Quem paga o prêmio dos títulos públicos é o Tesouro Nacional, com dinheiro dos impostos (quando rola superávit primário) ou fazendo novas dívidas. Usa-se moeda que já foi emitida, não dinheiro novo.

E isso faz toda a diferença, já que o motor da inflação é a emissão desenfreada de moeda. Ela desvaloriza o dinheiro que já estava em circulação. E é por isso que a inflação anual na Argentina chegou a 140%. 

Na prática, as Leliqs são um disfarce para que o governo pague suas contas, incluindo subsídios brutais, via impressão de dinheiro – num processo que destrói o poder de compra da população, amplia a pobreza, exigindo mais subsídios, num ciclo vicioso. 

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Isso fez com que Milei ganhasse uma eleição presidencial dizendo que pretende acabar não só com os subsídios, mas com o BC e o próprio peso argentino, transformando o dólar na moeda oficial. Mas aí é como dizia Joelmir Beting, o grande jornalista econômico: equivale a matar a vaca para eliminar o carrapato.

Uma coisa é exterminar as Leliqs – que nunca deveriam ter existido. Outra é deixar um país do G20 sem moeda própria nem banco central.

Porque a existência de um BC é fundamental. A função deles é colocar dinheiro novo no sistema bancário quando a economia do país vai mal das pernas, e drenar moeda quando a inflação começa a sair do controle.

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A injeção de dinheiro acontece quando o BC emite moeda e empresta para os bancos. A taxa que ele cobra nessas operações se torna o “juro básico da economia”. É o preço que os bancos pagam pelo dinheiro que vão emprestar aos clientes. Quanto menor ele for, menos juros os bancos cobram. Os financiamentos ficam mais baratos. E isso se traduz na construção de mais imóveis, na fabricação de mais carros e em mais capital de giro para todo tipo de empresa – ou seja, cria empregos. 

Então o caminho é zerar os juros para sempre e pronto, certo? Não. Porque a capacidade que uma economia tem de produzir mais imóveis, mais carros e mais empresas é limitada. Chega um momento em que há mais dinheiro em circulação do que coisas para comprar com esse dinheiro. E os preços começam a subir. 

Para evitar que a inflação corroa a moeda, o BC vira a chave: começa a pegar dinheiro emprestado dos bancos a juros altos. Ele não precisa da grana: só pega e tira de circulação, esperando que a inflação diminua. É isso que acontece durante um “ciclo de alta” dos juros. 

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Quando a inflação cai para abaixo da meta, começa tudo de novo: o BC volta a produzir dinheiro para emprestar aos bancos, os juros diminuem e a economia reaquece.

Sem um banco central, não há como controlar a economia. Uma Argentina dolarizada praticamente não teria inflação, já que o país não imprime dólares. Ok. Por outro lado, os bancos de lá não poderiam contar com dinheiro novo do BC nos momentos de vacas gordas. Teriam de fazer empréstimos em dólar com bancos do exterior – pagando os juros que esses credores bem entendessem. Isso minaria a capacidade de financiamento do povo argentino, levando toda a economia para o buraco. Por essas, é improvável que a dolarização ocorra de fato. 

A saída racional seria manter uma moeda própria, mas com o banco central segurando a emissão na rédea curta, até a inflação ceder. Foi exatamente o que aconteceu no Brasil dos anos 1990

Saímos de um IPCA anual de 2.477% (em 1993) para níveis aceitáveis. Nesses 29 anos de real, só cinco terminaram com inflação de dois dígitos (1994, 1995, 2002, 2015 e 2021). Moral da história: não é preciso reinventar a roda para colocar a carroça nos eixos. Muito menos destruir a carroça.

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