á algo estranho acontecendo no Vale do Silício. 10 dias após adentrarmos 2024, a Amazon anunciou que cortaria centenas de funcionários de sua divisão Prime Video, Twitch, Audible e estúdios MGM. Um dia depois, a Alphabet (Google) anunciou uma primeira rodada de demissões, em sua equipe de engenharia e produtos. Cerca de mil pessoas foram demitidas — e o CEO da companhia, Sundar Pichai, deixou claro que essa não será a última vez que a tesoura vai passar pelo quadro de funcionários.
Elas não são as únicas. Só no primeiro mês e pouquinho do ano, a empresa de softwares SAP anunciou uma reformulação de funções e demitiu 8 mil funcionários. A Microsoft, em sua recém-adquirida Activision Blizzard, cortou 1,9 mil empregos. A Salesforce anunciou uma nova rodada de demissões, prevendo cortes de até 700 funcionários. O Discord reduziu 17% de sua equipe.
E isso só para citar alguns exemplos de empresas maiores. Segundo a plataforma layoffs.fyi, que acompanha as demissões no setor tecnológico, desde que o ano começou, mais de 130 empresas tech demitiram cerca de 32,5k funcionários. Ouch.
Teve um déjà-vu? Normal. No mesmo período do ano passado, só se ouvia falar nisso. Twitter (4k demissões), Meta (10k), Microsoft (10k), Amazon (18k) e Alphabet (12k) promoveram rodadas de demissão nunca antes vistas no setor. Foi um banho de sangue: no total, 1.190 empresas demitiram mais de 262k funcionários.
Em 2024, a maior parte das justificativas gira em torno da lógica “fazer mais com menos” — concentrando os esforços em menos projetos e transferindo a grana liberada para novos produtos essenciais (leia-se Inteligência Artificial, mas estamos nos adiantando).
Parece simples, certo? Mas nesse mato tem mais coelhos do que parece. Vamos entender o que realmente está acontecendo neste ano, quais as diferenças em relação a 2023 e o que pode vir pela frente (sim, pensar o passado para compreender o presente e idealizar o futuro. Perdoe o clichê).
IA — e além
Sem grandes surpresas, a explicação das empresas para os cortes gira em torno da Inteligência Artificial. Faz sentido. A IA generativa — aquela que é capaz de gerar textos, imagens ou outras mídias mediante solicitação, pique ChatGPT — acabou mudando as prioridades de todos os negócios, especialmente das gigantes tech.
Na semana passada, Mark Zuckerberg afirmou que o controle de gastos e consequente demissão de funcionários na Meta teve que acontecer “para que possamos investir em visões ambiciosas e de longo prazo em torno de Inteligência Artificial.” Também disse ter percebido que “operamos melhor como uma empresa mais enxuta.”
Mas esse argumento, por si só, não explica exatamente o porquê de as demissões estarem acontecendo nessa proporção.
Primeiro, é importante registrar que existe uma diferença grande na saúde das empresas do ano passado para cá: as gigantes do setor adentraram 2023 com quedas expressivas em lucro líquido e receita. A Amazon lucrou US$ 278 mi no 4º trimestre de 2022, uma queda exorbitante de 99,8% na comparação anual. Meta (-55%), Alphabet (-34%), Apple (-13%) e Microsoft (-12%) também desceram escorregador abaixo. Naquele momento, os cortes refletiram o cenário macroeconômico do período (inflação resiliente e um temor generalizado de que a alta nos juros, o remédio contra as altas nos preços, levaria a uma recessão).
Mas esse não é o caso de 2024. No último trimestre de 2023, Amazon e Meta divulgaram lucros trimestrais e perspectivas de crescimento que superaram as expectativas de Wall Street. A Apple voltou a ter crescimento na receita. O faturamento da Microsoft teve seu maior crescimento desde 2022. A Nvidia ainda não divulgou resultados do 4T23— mas levando em conta os estrondosos 240% de valorização de seus papéis em 2023, as expectativas são altas.
E mais: o S&P 500 atingiu máximas históricas repetidas vezes, lideradas justamente por essas Sete Magníficas (Alphabet, Apple, Amazon, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla). Somadas, a valorização dos papéis das estrelas do S&P ultrapassaram 100% no ano passado, duplicando seu valor de mercado.
O interessante é que esses movimentos de alta foram, em grande parte, cortesia de uma euforia de IA generalizada nas bolsas mundo afora (como explicamos nesta reportagem da VCSA). Logo, o movimento das big techs é natural. Já que investidores estão com olhos, ouvidos e bolsos voltados para o desenvolvimento de Inteligência Artificial, é melhor dar o que o povo clama.
Elas estão gastando bilhões de dólares em chips, supercomputadores e congêneres tecnológicos para sofisticar seus sistemas de IA. Até o final do ano, a Meta estimou que vai comprar 350 mil chips da Nvidia (e pagar um boleto de US$ 10 bilhões pelas plaquinhas de silício).
Esse impulso de gastar com IA coincidiu justamente com os cortes em outras áreas das empresas. Por isso, a IA é apontada como uma das maiores culpadas pelos cortes que vêm acontecendo.
Mas eis o grande X da questão: os resultados das companhias não indicam que esses cortes necessariamente precisavam acontecer. Muito menos o cenário macroeconômico: nos EUA, a desaceleração da inflação, desemprego baixo e o iminente início dos cortes nos juros apontam um futuro promissor no horizonte.
Jeffrey Pfeffer, professor de Comportamento Organizacional em Stanford, tem uma teoria menos ortodoxa para a onda atual de desligamentos. Estaríamos diante de um fenômeno chamado copycat layoffs, ou demissões por imitação. Uma grande empresa enxuga os seus quadros e o quadro executivo da concorrência começa a se questionar se não deveria fazer o mesmo.
É aquilo: uma demissão em massa é ruim, duas é péssimo, e três é tendência. Em pouco tempo, a atitude se generaliza – mesmo que não existam grandes razões para justificá-la. Maria-Vai-Com-As-Outras in a nutshell.
Se a estratégia se mostrar ruim no futuro, menos mal: dá para colocar a culpa pelo erro nas circunstâncias do mercado – todo mundo estava cortando, afinal.