Os animais entraram definitivamente para o núcleo familiar dos brasileiros. Segundo a Associação Brasileira de Indústria de Produtos para Animais de Estimação (Abinpet), metade dos lares do país hoje possui cães ou gatos – 30% deles foram adotados durante a pandemia.
O Brasil ocupa hoje a terceira posição no mercado pet mundial, e a Abinpet projeta que o setor movimentará R$ 46 bilhões em 2023. Mas, apesar da crescente importância econômica, há apenas um representante deste segmento na bolsa: a Petz (PETZ3).
Sérgio Zimerman, fundador e CEO da companhia, teve um longo caminho até encontrar sucesso na rede de pet shops, com incursões no mundo dos buffets infantis e atacados de alimentos e perfumaria. Sua faceta empreendedora pode ser vista no Shark Tank Brasil — reality show em que jovens empreendedores buscam um tubarão do mercado para financiar os seus projetos. Mas o executivo ganhou as manchetes recentemente por outra razão.
Depois de se desfazer de 7,5% da sua participação na Petz em 2022, Zimerman voltou às compras. De agosto a novembro, adquiriu dezesseis milhões de ações da companhia, ampliando a sua fatia de 26,69% para os 30,14% que detém agora – isso em um momento em que a varejista pet acumula queda de 30% no ano. Desde a estreia na bolsa, em 2020, o recuo é de 75%.
“Boa parte do meu patrimônio já estava na companhia. Mas [a queda no preço do papel] é tão sem sentido que decidi recomprar ações”, diz o executivo em entrevista à Você S/A.
Mesmo concordando que o cenário de curto prazo é menos favorável, já que o crescimento do setor desacelerou, Zimerman vê um pessimismo exagerado do mercado. “Abrimos capital sendo avaliados em R$ 5,2 bilhões com base em um faturamento de R$ 1,2 bi em 2019. Agora, em 2023, a empresa fatura quatro vezes mais e vale muito menos na bolsa.”
Aqui, o CEO da Petz explica as razões pelas quais está otimista com os fundamentos da companhia para o médio e o longo prazo, e como a “geração P” pode garantir o futuro do setor.
A Petz acaba de completar 3 anos de listagem na bolsa. Como você define esse período para a companhia?
É importante notar que o nosso grande salto de transformação não foi no IPO em 2020. Ele aconteceu lá em 2013, quando uma empresa que era 100% familiar teve a venda do controle para o fundo Warburg Pincus.
Nesse momento, ocorreram os choques culturais de governança e profissionalização da companhia – com instalação de conselhos, comitês e indicadores de performance. Foi uma grande transformação. Eu diria que começamos a ser preparados para o IPO naquele momento. Quando abrimos o capital já tínhamos uma maturidade importante.
A listagem não mudou nada na rotina da empresa para além do balanço, que passou a ser auditado trimestralmente, e a criação de uma área de relacionamento com o investidor. No geral, as questões administração, transparência e práticas ESG já estavam muito bem encaminhadas.
Eu diria que o processo de IPO foi super tranquilo. Mas nesse pouco tempo de mercado aberto já conhecemos a parte boa e a difícil. As ações já foram para a lua e já desceram para o chão. E a empresa nem foi para a lua e nem foi para o chão: está bem – muito mais estável do que o preço dos ativos na bolsa.
Esses três anos de altos e baixos na ação não desviam o nosso foco sobre a construção de valor para o longo prazo.
Você mencionou que práticas ESG já estavam no dia a dia da companhia. O que a Petz promove nesse sentido?
Fazemos a diferença em um dos nossos pilares fundamentais: o bem-estar animal, que está acima dos interesses comerciais da companhia, e questões que envolvem adoção.
Acho que a grande contribuição que temos dado para a sociedade ao longo de todos esses anos é o trabalho que temos feito tanto com ONGs protetoras quanto com os pets que precisam de um lar. Criamos o maior programa de adoção do Brasil, com cerca de 10 mil por ano.
Há também uma parceria com a editora de impacto social Mol. A renda da venda de livros [editados pela Mol e vendidos tanto nas lojas como no site] é revertida para ONGs. Não é apenas a doação de dinheiro, também aportamos gestão para gerar sustentabilidade no trabalho da organização, desenvolver o terceiro setor e permitir a formação de pensamento de gestão. O objetivo é fazer investimentos estruturais.
No total, nossos programas e parcerias já repassaram mais de R$ 15,2 mihões para a causa animal.
O varejo como um todo tem tido um 2023 complicado após o boom da pandemia. Como você avalia os últimos meses?
O mercado pet cresceu assustadoramente durante a pandemia em todo o mundo, mas, como outros setores que também avançaram no período, desacelerou em 2022.
Nosso setor é muito resiliente, mas não dá para negar que a retração do mercado pressiona o curto prazo. Ele não devolveu, mas também parou de crescer. Isso deveria ter sido uma ótima notícia. Cresceu bastante e segurou. Isso é bom. Mas o mercado financeiro não leu assim. Ficou a visão de que o segmento se esgotou. Essa não é a nossa leitura como empresa.
De 2019 a 2023, o mercado pet teve um crescimento composto de aproximadamente 20% ao ano no Brasil. A maior parte disso foi durante 2020 e 2021, mas é um ritmo fantástico. Nesse mesmo período, a Petz cresceu 38% ao ano, praticamente o dobro.
Tem problema no setor? Nenhum. Tem problema de crescimento na Petz? Não. Mas o mercado financeiro enxerga mais o curto prazo e em 2023 o mercado pet esfriou muito, num momento de expansão da oferta.
Essa é uma combinação perversa que machuca os números. É natural. Daí vem a lógica da recompra de ações que fiz – da convicção de que não tem problema algum no médio e longo prazo.
Temos a humanização do pet e um crescimento populacional aliado a um aumento da proporção de cães e gatos para humanos a cada censo do IBGE. É a garantia do futuro do segmento.
Por cautela, decidimos não assumir que 2024 será o ano da virada ou da recuperação e sim trabalhar com a ideia de que vai continuar difícil. Se surpreender positivamente está ótimo, mas não vamos contar com isso.
É complicado dizer o que precisa para crescer. A inflação está um pouco dominada, o segundo passo é as curvas de juros no mundo todo acompanharem essa tranquilidade para começarmos a ver uma renda mais bem distribuída, sobretudo na classe média.
Vamos crescer em 2024? Prefiro dizer que não e que não há problema algum nisso. Estamos preparados para enfrentar mais um ano de mercado retraído, então há cautela no movimento de investimentos e na criação de projetos de retorno de longo prazo. Não queremos fazer dívidas com o cenário de juros altos e estamos cada vez mais criteriosos no movimento de expansão.
Trata-se de uma série de medidas para esperar o tempo passar. O navio está em ordem, mas a tempestade segue. Só vamos pôr o pé no acelerador na hora em que o sol brilhar de novo.
Você mencionou a humanização do pet como um fator importante no longo prazo. Como a Petz acompanha o fenômeno?
Um dos pilares absolutamente sólidos da companhia é de que o nosso foco não é “no cliente” e sim “do cliente”. Somos os olhos deles. Não é apenas observar, é você agir como eles pensam. E isso nos levou, naturalmente, a acompanhar a mudança social verificada nos últimos anos com relação ao pet. Para fins didáticos, criamos o conceito de Geração P.
É um grupo atitudinal, não um corte etário — temos jovens, crianças e idosos nessa faixa. São todas as pessoas que tratam o seu animal de estimação como membro da família, um filho. É para eles que a Petz se prepara todo dia e quer estar cada vez mais conectada.
Quando pensamos no longo prazo, a Geração P ainda está apenas no começo. A tendência é que esse comportamento se amplie ao longo do tempo. Quem tem 30 ou 40 anos de idade aprendeu por alguma razão a tratar o pet como membro da família, mas na infância dela o papel era diferente. Ele ficava no quintal de casa, com a função de latir para estranhos.
Agora temos crianças e adolescentes que vão crescer, casar, ter filhos e levar as memórias afetivas que os pets estão criando nessa geração. Isso faz com que eles queiram reproduzir as maravilhas que é ter um animal de estimação como membro da família. Elas nasceram entendendo que o pet fica na cama, vai ao restaurante, viaja junto e precisa de todos os cuidados. Para eles é natural.
No terceiro trimestre fizemos uma mudança na nossa identidade visual justamente para refletir esse novo comportamento.
Como a Petz se prepara para esse futuro?
Parte deste rebranding também serviu para marcar a entrada que tivemos no digital nos últimos anos. Quando pensamos no futuro do mercado pet, quem tem apenas redes de varejo físico está com um horizonte comprometido.
Assim como aconteceu em outros setores, boa parte do crescimento será no digital. Mas se você atua apenas nesse nicho não ganha dinheiro.
Por isso a Petz se posicionou bem e nos tornamos um benchmark mundial. O mercado americano e o europeu não atingem os nossos quase 40% de vendas digitais e 90% de omnicanalidade [estratégia que cruza canais digitais e físicos]. Essa é uma grande conquista. No médio e longo prazo, quando o mercado voltar a crescer estamos preparados para surfar a onda.
Em 2021 a Petz comprou a Zee.Dog, marca com identidade digital, por R$ 715 milhões. Essa aquisição ajudou a empresa na consolidação das suas plataformas de e-commerce?
Não. Foi 100% orgânico. Construímos isso desde 2015 e em 2019 conseguimos concluir. A Zee.Dog complementa marginalmente esse cenário. Ela tem mais a ver com trazer uma marca de referência e o nosso novo posicionamento de marca.
Falando em aquisições, a empresa fez uma série desde o IPO de 2020. Como está a integração dessas marcas?
2023 foi um grande ano para fazer o que deveria ter sido feito em 2022. Acabamos errando no timing e as coisas atrasaram. Eu gostaria de ter feito isso mais rápido.
Subestimamos uma série de dificuldades, mas corrigimos e avançamos bastante em várias frentes de integração. Está claro que 2024 será um ano de conclusão desse processo e poderemos capturar sinergias do que foi feito. Mas eu diria que em 2025 estaremos com 100% das integrações feitas.
Nos últimos meses a Petz esteve nas manchetes por conta de rumores sobre uma eventual fusão com a Cobasi. Há planos de continuar indo às compras e ampliar a lista de aquisições?
Não temos nada em perspectiva, e esse não é um assunto que consideramos uma prioridade. Nosso foco agora é cuidar do caixa.
Por mais que 2023 tenha sido um ano de retração e de pressão de margem, estamos felizes que conseguimos alcançar a marca de dívida líquida zero pela primeira vez nos últimos 15 anos. Isso é inusitado, porque normalmente o que a gente gerava de caixa operacional era insuficiente para cobrir os investimentos.
Conseguimos equilibrar. Queremos seguir em 2024 com esse mesmo pensamento: investir apenas o que temos capacidade.