Com o Novo PAC recém-saído do forno, prometendo R$ 1,7 trilhão em obras de habitação e infraestrutura, o apetite dos investidores se voltou para empresas que já surfaram essa onda nas primeiras duas edições do programa petista.
E isso não significa apenas construtoras ou fornecedoras de matéria-prima. A Mills (MILS3), por exemplo, é pioneira na locação de maquinário para obras em alturas (plataformas elevatórias), e uma das companhias que já se beneficiou nos dois primeiros programas.
A B3 serve como termômetro da expectativa — as ações MILS3 acumularam ganhos de 19% no ano até agosto. Mas Sergio Kariya, CEO da empresa, diz que o PAC está longe de ser a única avenida de crescimento de receita para os próximos anos.
Isso porque a Mills, fundada na década de 1950, é hoje muito diferente do que aquela que viveu o boom dos anos 2000. A companhia, afinal, precisou se reinventar para manter sua estrutura firme.
É que ter 90% da receita vinda do setor de construção se provou um tiro no pé. Com a explosão da Lava Jato, os principais clientes da empresa foram afetados — nomes como Novonor (ex-Odebrecht), OAS, Andrade Gutierrez e Queiroz Galvão.
A receita minguou mais de 30% no 1º trimestre de 2015 e a inadimplência disparou de 1,7% para 14,8%. Dali em diante, foram anos de apostas na diversificação, até que o percentual do setor de construção na receita caísse para 27%.
Hoje, a companhia está presente numa miríade de setores: agronegócio, bens de consumo, comércio, construção, indústria, mineração, serviços, transportes… Um dos movimentos mais significativos de expansão dos últimos anos foi a compra da Triengel por R$ 133,7 milhões, no fim do ano passado — inaugurando a presença da Mills no segmento de maquinário pesado, como tratores e retroescavadeiras.
A chegada de Kariya ao comando da empresa, no segundo semestre de 2014, coincidiu com o vendaval da Lava Jato. Aqui, ele fala sobre o processo de reestruturação da companhia, os planos para o futuro e os compromissos com as iniciativas ESG.
Como foi o plano de reestruturação da companhia após a explosão da Lava Jato?
A empresa não estava alavancada, mas a gente se viu em um endividamento rapidamente fora do normal. Começamos um processo de reformulação.
Olhamos para as origens de receita: como cobrar os nossos principais clientes, como alterar verticais de atuação… Fizemos um aumento de capital de R$ 125 milhões que deu fôlego suficiente para a empresa sobreviver, além de fusões de unidades de atuação. Em 2017 já tínhamos feito praticamente toda a lição de casa.
No segmento de aluguel de maquinário, diversificamos a receita para além do setor de infraestrutura. Em 2019, fizemos a fusão com nosso competidor mais ferrenho, a Solaris. Antes dela, estávamos começando a ter mais caixa do que dívida. Depois, reequilibramos e a companhia voltou a crescer.
Quando falamos “opa, agora vai”, veio a pandemia.
Como foi enfrentar a pandemia?
Foi um momento de muito medo. Começamos a fazer milhares de cenários para a queda de receita e quais seriam os planos de ação para cada uma delas.
Quando vimos que o nosso impacto não seria igual aos desenhos mais críticos, não demitimos ninguém. O PIB do Brasil caiu 4%, mas crescemos a receita em 1% e a lucratividade pulou 20% no ano.
Foi um desafio de integração com a Solaris, mas na sequência fizemos outras quatro aquisições muito mais fáceis de deglutir.
Quando começou a estratégia de diversificação mais intensa de portfólio?
A ficha caiu lá por 2016. No episódio da Lava Jato, estávamos muito expostos a um único segmento. Então começamos um plano de buscar mais verticais de receita e diversificação de clientes.
Vimos que 90% do total vinha de apenas um produto: as plataformas elevatórias. E buscamos trazer mais resiliência para a companhia. Estrategicamente, precisávamos reforçar a previsibilidade no fluxo de caixa; ou seja, trazer contratos mais de longo prazo, e setores com maior representatividade do PIB brasileiro, como o agro e a mineração.
Em 2020, fizemos um plano estratégico super-robusto com este olhar de transformação profunda. Decidimos buscar um mercado endereçável maior, até a compra da Triengel, que foi nosso pontapé inicial no mercado de linha amarela [tratores, motoniveladoras, escavadeiras, rolos compressores].
Como é a prospecção de potenciais aquisições?
Não é só sobre “estou comprando barato”. Você vai selecionando aquelas [empresas] que possuem mais fit cultural, estratégico. E que realmente vão ter um impacto positivo.
No caso da linha amarela, a gente fez um estudo superaprofundado, olhando para setores que pudessem proporcionar contratos de longo prazo. A Triengel caiu como uma luva.
Tem que fazer sentido. E deu tão certo que em nove meses triplicamos o tamanho dela organicamente.
Todas as aquisições feitas nos últimos anos já estão integradas?
Todas do segmento de locação de leves (como plataformas elevatórias e geradores) estão 100% integradas. Na Triengel, deixamos a companhia propositalmente separada, em uma unidade de negócios própria, por questões fiscais. Na parte administrativa, ela está 95% integrada. Na parte operacional ainda tem muita coisa, mas não quero fazer isso agora. Queremos ganhar escala e depois fazer mais um ciclo de captura de sinergias.
Como o PAC 3 pode vir a beneficiar o crescimento da Mills?
Tudo que tem obra tem movimentação de terra, e tudo que tem movimento de terra tem uso de plataforma elevatória, fôrmas, escoramento – e linha amarela.
Para as nossas três unidades de negócios (aluguel de leves e pesados, além de fôrmas e escoramentos) é superfavorável. O PAC 3 é um catalisador, sem dúvida nenhuma, mas não se trata do principal precursor da nossa estratégia de crescimento para os próximos anos.
O programa vai trazer expansão na receita vinda do setor de infraestrutura porque antes não havia obras acontecendo. O R$ 1,3 tri previsto para ser entregue ainda neste governo é o que a gente está olhando como mais crível.
Tem uma parcela bastante relevante de reativação de obras do PAC 2, então dará para ver em um curtíssimo espaço de tempo o benefício para o setor
de construção.
Mas é legal apontar que foram feitos vários leilões de concessões nos últimos anos e as obras estão acontecendo agora. Só para se dar uma ideia: no nosso negócio de fôrmas e escoramento, que responde por 10% da receita da companhia, a expectativa é dobrar a geração com zero influência do PAC 3.
E quais são as outras estratégias de crescimento nas quais a empresa aposta?
O que vendemos aqui é produtividade, mas sobretudo segurança. Colocamos as pessoas para trabalhar em altura de forma segura.
Para as plataformas elevatórias, nosso principal objetivo é a conversão do usuário que utiliza andaimes, escadas e outras formas proibidas de trabalho em altura, com uma mudança de mentalidade das empresas.
No Brasil, o uso de plataforma elevatória é superbaixo, com 16 máquinas para cada 100 mil habitantes. Quando você olha o Chile, aqui do lado, são 59 máquinas. Nos Estados Unidos, 212. Temos um caminho importante para crescer nos próximos anos. O PAC vai ajudar.
No mercado de linha amarela, a gente vem percebendo uma conversão constante no comportamento do consumidor, com o cara que compra optando pelo aluguel do equipamento. Há um caminho incrível pela frente. Podemos ser um player relevante do setor.
Na frente de fôrmas e escoramentos, já temos 50% do mercado. Com todos os investimentos futuros em obras, vamos surfar um aumento com um baixo investimento e muita conversão em caixa, na esteira dos leilões dos últimos anos.
Dentro de um mercado tão disperso, a Mills se vê, no futuro, como uma potencial consolidadora?
Consolidar depende também do outro lado, mas temos um time que está o tempo inteiro olhando oportunidades, fazendo monitoramento de mercado e batendo um papo com as empresas. Essa é uma perna importante da nossa estratégia daqui para a frente.
Na linha amarela, o maior player tem apenas 3% dos R$ 40 bilhões movimentados em 2022. É um caminho incrível para a nossa união com a Triengel em termos de mercado endereçável.
A B3 acaba de lançar o Idiversa, um índice que busca reconhecer empresas que estimulam a diversidade, e a Mills é uma das empresas integrantes.
Como vocês adotam a premissa ESG?
Entendemos que o ESG, como um todo, é um pilar estratégico. Não se trata de colocar o social acima do lucro, mas parte disso queremos converter em impacto positivo para a sociedade.
Em 2020, buscamos algo que fosse crível para a companhia não só no meio ambiente, mas também no social. Como eu cataliso minha atividade de forma estratégica? Tenho que fazer investimentos.
Eu lavo muito as máquinas e mexo com óleo diesel, por exemplo, então precisava de uma estação de tratamento de água em todas as filiais. No segmento de plataformas elevatórias, quando começamos a crescer a frota, entrou em pauta a questão da descarbonização. Evoluímos em termos de conversão e da eletrificação da nossa frota e hoje 50% dela já é elétrica.
No lado social, passamos a investir na formação de mão de obra qualificada. Eu atendo 1,8 mil cidades hoje e, em algumas, com um IDH mais baixo, não existe suporte técnico. Oferecemos bolsas de estudos nessas localidades. Uma parcela desses estudantes já está sendo efetivada em nossas filiais.