Em 2020, o Brasil deve atingir o seu maior patamar de novos empreendedores. Segundo a pesquisa Global Entrepreneurship Monitor (GEM), aproximadamente 25% da população adulta estará envolvida na abertura de um novo negócio ou em empresas com até 3 anos e meio de atividade.
Parte destas novas empresas que estão surgindo são impulsionadas pela crise do coronavírus. Com 12, 7 milhões de pessoas desempregadas, de acordo com os dados de maio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua Mensal (PNAD Contínua), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o empreendedorismo se torna uma alternativa de renda.
No entanto, Jandaraci Araújo, subsecretaria de empreendedorismo e médias empresas do estado de São Paulo e primeira mulher a ocupar o cargo de diretora executiva na área de Finanças do Banco do Povo Paulista, lembra que empreender, principalmente em momentos de crise, demanda atenção. “Empreender nunca foi fácil e empreender no Brasil sempre foi algo complicado por causa da burocracia e dificuldades em abrir uma empresa. Hoje, a gente tem mais um obstáculo que é uma questão que independe de instituições, um elemento exógeno e que a gente tem que aprender a lidar”.
Jandaraci nasceu na Bahia, mas se mudou para o Rio de Janeiro no final dos anos 90 para fugir de um relacionamento violento e podem dar mais oportunidades para as filhas. Apesar de, na época, ter formação tecnóloga de metalmecânica e administração, ela não conseguia emprego. A solução foi começar a vender salgados na porta de uma universidade. “Um professor que sempre comprava comigo um dia perguntou sobre minha história e conversamos. No dia seguinte, ele me deu seu cartão e pediu que procurasse uma de suas gerentes. Cinco dias depois, comecei a trabalhar na rede do Pão de Açúcar. Fiz minha carreira lá.” Ela também a conselheira da Women in Leadership in Latin America (WILL), ONG voltada para o empoderamento feminino nas organizações, é voluntária no Grupo Mulheres do Brasil e coordena o programa Empreenda Rápido, que promove capacitação empreendedora, formalização e microcrédito.
A empreendedora ainda lembra que para um negócio ter sucesso, é preciso sim estar atento às tendências de mercado, mas também ser criativo. “Tem aquele grupo de empreendedores tipo o peixe rêmora, que sai seguindo os tubarões. Ele não constrói nada, porque toda hora está mudando o negócio para alguma coisa que está em alta”, explica.
Em entrevista exclusiva à VOCÊ S/A, a subsecretária lista algumas dicas para quem quer começar a empreender. Confira:
A sua história de empreendedorismo é parecida com a de muitos brasileiros, que é a de empreendedorismo por necessidade. O que você acha disso? Sim, no início eu não considerei empreender, eu considerei ir para o mercado corporativo. Mas o que você vai fazer quando tem filhos para manter? Empreender para muitos não é uma questão de opção, é uma questão de necessidade para sobreviver. Para muitas mulheres negras, por exemplo, criar um negócio é a única forma que você tem para se posicionar e ascender tanto socialmente, quanto profissionalmente. Existe uma distância de oportunidades muito grande de quem só tem essa opção para quem teve uma sacada de negócio. E eu sempre falo que a única forma de reduzir essa diferença é através da educação.
Você fala que gosta de “hackear” o sistema das instituições de educação. Pode explicar mais sobre isso?
Toda instituição particular tem uma cota de bolsas de estudo para minorias, mas isso não é divulgado. Então, você tem que descobrir os caminhos para conseguir acessar. E foi sempre assim que eu fiz. Eu batalhei bastante para conseguir fazer bons cursos, conseguir estudar em boas universidades, busquei bolsas de estudo ou patrocínio das empresas onde trabalhei. E eu sempre falo pras novas gerações que é isso que a gente tem que descobrir, essa forma de acessar boas instituições. Principalmente porque a educação é uma coisa que foi tirado do povo negro e ela é agente transformador, é através dela que a gente consegue diminuir as desigualdades. Eu percebi que ter uma Fundação Getulio Vargas ou uma Fundação Dom Cabral faz diferença sim no currículo; abre portas. E a educação não traz só a parte técnica, ela também ajuda a desenvolver as soft skills, que hoje é o grande diferencial.
Quais soft skill você considera importantes?
Resiliência e a capacidade de adaptação fazem muita diferença em qualquer organização, não só no momento de crise. Mas teve uma coisa muito importante que eu aprendi com o meu pai, que é network. Meu pai era um homem muito simples, mas que nos ensinou que ter boas amizades pode facilitar muito as coisas. Lá em casa as portas sempre estavam abertas para quem queria conversar ou precisava de ajuda; e quando ele precisava, as pessoas também estavam dispostas a ajudar. E network é isso, é você ter bons relacionamentos e saber cuidar deles. Durante a pandemia, eu comecei a fazer uns vídeos nas redes sociais e convidar umas amigas para falar sobre diversos assuntos. Eu gosto de compartilhar e um dos princípios da network é você saber compartilhar, chamar o outro para crescer junto com você. Existe um provérbio africano que diz que se você quer ir rápido, você vai sozinho, e que se você quer ir longe, você vai junto.
Quais dicas você dá para quem está pensando em empreender?
A primeira coisa é entender quais são as suas habilidades e quais são as tendências dos consumidores. E nunca foi tão fácil ter acesso a esse tipo de informação, existem várias pesquisas de mercado e muitas delas são gratuitas. Outra coisa é a digitalização. Se você quer empreender e a sua ideia de negócio não passa pelo digital, então volta para refletir porque não tem mais como um negócio, seja ele qual for, não estar digitalizado. Se o cara que conserta persiana não estiver em uma plataforma de serviços marketplace, vai ser muito mais difícil para ele conseguir clientes. Também é importante tirar uns minutos para fazer uma pesquisa de opinião com alguns amigos e ouvir algumas sugestões.
Quem quer empreender também não pode deixar de lado a parte financeira. Mas no Brasil temos uma fraca educação financeira. Como deixar de lado essa questão?
A primeira coisa que precisa estar claro para os empreendedores é que você não precisa ter um doutorado em finanças para conseguir se organizar. O que você precisa fazer são algumas contas básicas de quanto você precisa para se manter e de quanto você precisa para manter o negócio. Vamos fazer uma conta simples aqui: vamos supor que você precisa de 1.000 reais para gastos pessoais e 1.000 reais para o negócio, sendo que cada salgado que vai vender custa 5 reais. Então, você precisa vender, pelo menos, 200 salgados no mês para conseguir sobreviver. Essa quantia dividida por 30 dias, dá uns seis salgados. Então, se você colocar uma meta de vender 15 salgados por dia, no final do mês vai ter 2.250 reais. Com esse valor você já consegue se sustentar e retroalimentar o negócio, fazer mais receitas, comprar embalagem. Não é complicado, algumas contas simples já resolvem. O segredo é sempre ter uma meta para bater e estar sempre investindo para melhorar o seu serviço. E com o tempo você vai aprendendo a calcular o preço correto, a fazer mix de vendas, entende sua limitação de produção e o quanto precisa ser feito para não ter desperdício.
Qual foi o seu maior desafio como empreendedora?
O maior desafio foi continuar. Várias vezes eu pensei em desistir, em voltar para a Bahia, ir para o interior e ficar lá. Outro grande desafio foi não ceder para propostas não tão legais, porque a gente passa por todo tipo de assédio. Manter a dignidade mesmo e situações difíceis não é simples. Lidar com o preconceito também foi difícil; às vezes, por mais que você se posicione e seja combativa, você é pega de surpresa. Você não vive com uma armadura 24 horas por dia. E quando esse preconceito atinge os seus filhos é muito doloroso. Mas eu sempre ressalto que a minha história não deve ser usada para discurso de meritocracia, porque é muito duro ter que virar a noite fazendo salgado, cuidar de filho, acordar cedo para procurar emprego e receber um monte de resposta negativa.
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