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Por um fio: a luta dos pequenos negócios e a ajuda que vem dos grandes

Durante a pandemia, 59% das PMEs tiveram os pedidos de empréstimo negados. Altamente afetadas pela crise, elas precisam se reinventar para sobreviver

Por Juliana Américo
Atualizado em 10 ago 2020, 07h00 - Publicado em 10 ago 2020, 07h00
Olivardo Saqui, da Quinta do Olivardo: sem turistas e com restaurante fechado, a solução para minimizar as perdas vem do delivery (Alexandre Battibugli/VOCÊ S/A)
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Matéria originalmente publicada na Revista VOCÊ S/A, edição 266, em 17 de julho de 2020.

Até fevereiro deste ano, entre 5.000 e 7.000 pes­soas visitavam, aos fins de semana, a Quinta do Olivardo, espaço de 4 hectares em São Roque, no interior de São Paulo, que abriga restaurante português, adega, plantação de videiras e até tirolesa. Em meados de março, entretanto, o surto de coronavírus obrigou que a vinícola, fundada em 2007, fechasse as portas. Em um primeiro momento, Olivardo Saqui, de 50 anos, proprietário do estabelecimento, colocou os 243 funcionários de férias e foi atrás de linhas de crédito emergenciais que o governo passou a oferecer para ajudar pequenas e médias empresas, como a dele.

Sem conseguir aprovação dos empréstimos e depois de 60 dias com as atividades paradas, o empresário teve de demitir 110 pessoas. Para não falir, a solução foi aderir ao serviço de entregas e drive-thru. “Cerca de 80% do meu público é da capital paulista, então encontrei uma cozinha que estava parada perto do centro e montei um delivery”, afirma Olivardo. Embora a opção esteja minimizando as perdas, a receita da companhia ainda está longe dos tempos em que a adega recebia centenas de clientes. “O caixa já está quase zerando e não sei por quanto tempo vamos aguentar sem o restaurante”, diz. O empreendedor afirma que as opções de entrega e retirada serão mantidas, mesmo depois da liberação total do comércio, uma vez que, sem a vacina, as pessoas devem demorar a ter confiança para voltar aos estabelecimentos.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Enquanto a pandemia do coronavírus segue forte no Brasil, histórias como a da Quinta do Olivardo se multiplicam. Isso porque, embora a crise tenha atingido companhias de todos os portes, as menores são as mais afetadas pelas medidas de isolamento social. De acordo com um estudo feito em abril pelo Sebrae com 6.080 empresas, 59% das PMEs precisaram interromper o funcionamento temporariamente e 3,5% fecharam as portas de vez durante a quarentena. Além disso, 87,5% viram o faturamento mensal despencar. Já dados da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) apontam que 79% das organizações industriais registraram queda na demanda por serviços e produtos, sendo que 18% estão com a produção parada por tempo indeterminado.

Os índices preocupam, já que 99% dos 6,4 milhões de estabelecimentos do Brasil são micro ou pequenas empresas, ainda segundo o Sebrae. As PMEs também respondem por 30% do produto interno bruto (PIB) nacional e são responsáveis por metade dos empregos formais, segundo informações do Sebrae, da Fundação Getulio Vargas (FGV) e do Global Entrepreneurship Monitor (GEM).

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Alguns fatores explicam a fragilidade dos negócios de pequeno porte. “A maioria se concentra nos setores de serviços e varejo, que são segmentos que demandam capital inicial baixo e têm contato maior com o consumidor”, afirma Fábio Astraukas, CEO da Siegen, consultoria especializada em recuperação e reestruturação de empresas. Em tempos de confinamento, essa característica e o fato de que muitos desses empreendimentos carecem de uma gestão mais profissional foram catastróficos. “O cenário já era ruim antes do coronavírus, porque a economia brasileira estava enfraquecida devido à crise de 2014”, lembra Fábio. De fato, dados do Sebrae mostram que 24% dos negócios, ou 4,2 milhões de empresas, já entraram na pandemia com uma situação financeira ruim.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Recursos que não chegam

A falta de fluxo de caixa para pagar fornecedores, despesas fixas e funcionários soma-se às dificuldades em conseguir crédito para enfrentar o período de baixa nas vendas. No início de junho, o governo liberou 15,9 bilhões de reais do Tesouro Nacional em empréstimos para auxiliar as empresas. Além disso, o Sebrae diz haver 168 linhas de crédito para as PMEs nas instituições bancárias.

Embora existam opções, a verdade é que o dinheiro não está chegando às mãos dos empreendedores. Uma pesquisa realizada pelo Datafolha, a pedido do Sindicato de Micro e Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo (Simpi), revela que 87% das micro e pequenas indústrias não tiveram acesso a crédito e 71% delas acreditam que as medidas anunciadas pelo governo não vão favorecer seus negócios. “Estamos em um momento crítico. É fundamental que os empresários tenham acesso a esses recursos para evitar uma onda de falências”, afirma Wilson Point, diretor superintendente do Sebrae-SP.

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Parte da dificuldade é justificada pela velocidade com a qual a crise aconteceu — os bancos não estavam preparados para atender a tantos pedidos ao mesmo tempo. Porém, uma velha conhecida interfere ainda mais nesse contexto: a burocracia. “Embora tenham sido anunciadas muitas medidas, existem normativas do Banco Central, da Receita Federal, do ­BNDES e das instituições financeiras que demandam uma série de formalidades para regulamentar as propostas”, diz Fábio, da Siegen. “Houve medida provisória que recebeu 170 emendas de alteração. Para um empresário com pouco capital de giro, não dá para ficar esperando a burocracia do Legislativo e do Executivo.”

Além disso, auxílios muito amplos mais atrapalham do que ajudam. O Programa Emergencial de Acesso a Crédito do BNDES, por exemplo, vai liberar 20 bilhões de reais em empréstimos para empresas com receita anual bruta entre 360.000 e 300 milhões de reais. Segundo os especialistas, companhias com faturamentos tão distantes necessitam de metodologias diferentes para analisar sua capacidade de pagamento. Portanto, não é justo juntar todas em um pacote só. “Os pequenos não têm garantias, muitos estão negativados, e o dinheiro é usado para girar o negócio. É difícil negociar com um banco nessa situação”, afirma Wilson, do Sebrae-SP.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Malabarismo nas contas

Sem dinheiro, a saída para os empresários é rever as finanças. A primeira opção é adotar os benefícios fiscais oferecidos pelo governo federal, como a prorrogação do pagamento do Simples Nacional e o recolhimento do FGTS. Também é recomendado renegociar contratos com fornecedores e verificar as condições especiais oferecidas por distribuidores de energia e água.

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Para dar conta da folha de pagamentos, além de adiantar férias e feriados, outra solução é a adesão às medidas provisórias que flexibilizam as relações trabalhistas. A MP no 936, lançada no início da pandemia, permite a suspensão do contrato de trabalho por até 60 dias — as empresas com receita bruta anual superior a 4,8 milhões de reais podem aderir mediante o pagamento de 30% do valor do salário mensal ao empregado. Também é possível reduzir a remuneração e a jornada de trabalho pelo período de até 90 dias — nesse caso, o governo fica responsável pelo pagamento de um benefício emergencial ao trabalhador que repõe parte da perda salarial.

Apoiar-se nessas medidas foi fundamental para Erica Machado de Melo, de 45 anos, manter o funcionamento de sua empresa, a Eletromatrix Indústria Galvânica, no Rio de Janeiro. Dos 16 funcionários, cinco tiveram redução de salário e jornada, enquanto três, que fazem parte do grupo de risco, estão com o contrato suspenso. “Em abril, tivemos uma queda de faturamento de 60%. Eu fiquei apreensiva, mas a empresa não parou em nenhum momento”, afirma a empreendedora, que não conseguiu obter nenhuma das linhas de crédito disponíveis no mercado.

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Erica Machado de Melo, da Eletromarix: reaproveitamento de materiais e economia de energia ajudam na recuperação (Andre Valentim/VOCÊ S/A)

Além das mudanças nos contratos de trabalho e da economia com o dia a dia da operação, o que ajuda a empreendedora é o investimento em tecnologia fruto de um projeto da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), negociado antes da pandemia. A empresa realiza o revestimento de peças metálicas para evitar a oxidação, e os pesquisadores da UFRJ estão trabalhando junto com a área de produção da Eletromatrix em busca de iniciativas mais sustentáveis e rentáveis, como reaproveitamento de materiais, redução no consumo de energia e melhoria em maquinário. “Já sentimos uma recuperação. No mês passado, o faturamento retornou ao patamar do início do ano”, diz Erica.

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A empreendedora está tentando não demitir, o que é a atitude correta, de acordo com Wilson, do Sebrae-SP, que acredita que o desligamento deve ser um dos últimos recursos. “O time é o mais difícil de recompor — e é ele que ajuda a empresa a se recuperar”, diz. Outra recomendação é para a hora de solicitar empréstimos. O ideal é que os financiamentos sejam realizados quando existir uma previsão mais clara de retomada e, consequentemente, a possibilidade de honrar a dívida. Os especialistas ainda alertam que pode ocorrer uma euforia do mercado com a flexibilização da abertura do comércio entre julho e agosto. Porém, esse aumento do consumo não será constante, já que, com o desemprego em alta, os números devem voltar a patamares inferiores aos registrados antes da pandemia.

Hora de se reinventar

Agir rápido e inovar são dois verbos fundamentais para sobreviver à crise. A empreendedora Thais Mozer, de 42 anos, sabe bem disso. Dona da Senhor Coelho, empresa de confecção de uniformes para eventos, a paulistana viu seu setor de atuação ruir com o coronavírus. “O negócio estava sólido e estávamos até recrutando um profissional para as redes sociais. Quando veio a pandemia, vários projetos foram cancelados”, afirma.

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Thais Mozer, da Senhor Coelho: a fabricante de uniformes para eventos entrou no mercado de confecção de EPIs (Filipe Redondo/VOCÊ S/A)

Segundo Thais, o prejuízo, que inclui contratos desfeitos, material encalhado e calote de serviços prestados, chegou a 100.000 reais. Para não fechar as portas nem demitir as 12 funcionárias, além de negociar o pagamento do aluguel da oficina e adquirir empréstimos para quitar os salários da equipe, a saída foi começar a produzir equipamentos de proteção individual (EPIs) para hospitais e profissionais de saúde.

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Ela está vendendo, diariamente, 100 macacões e 100 aventais de tyvek, material que impede a passagem de micro-organismos. Tudo é comercializado por meio de uma loja online criada durante a pandemia. O estoque do produto, adquirido da multinacional DuPont, deve durar até o final do ano, uma vez que os Estados Unidos suspenderam a exportação do item. “Havia tentado vender online anteriormente duas vezes, ambas sem sucesso. O isolamento e o aumento da demanda mudaram tudo”, diz Thais, que também alugou um carro para levar e buscar as costureiras e evitar que elas se expusessem ao risco de contaminação no transporte público. A ideia está dando tão certo que a expectativa é se adequar às regras da Anvisa e continuar com o fornecimento dos EPIs, mesmo após a quarentena. “Eu consegui entrar nessa área porque houve uma flexibilização das normas, mas isso deve durar só até setembro. Acredito que esse novo negócio tenha vindo para ficar, então preciso me adaptar”, afirma Thais.

Assim como ela, centenas de empreendedores tiveram de recorrer ao digital para manter os negócios. Desde o início do distanciamento social, em março, a cada minuto é aberta uma loja online no país, de acordo com dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (Abcomm). Em pouco mais de dois meses, 107.000 novos estabelecimentos foram criados na internet — antes da quarentena a média era de 10.000 sites por mês. “Toda crise traz algum tipo de aprendizado, e agora é o momento de repensar o negócio. Há quem venda online, implemente serviços de entregas, utilize apps de delivery e até atenda por WhatsApp”, afirma Cyntia Calixto, professora do Centro de Empreendedorismo e Novos Negócios da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp). “É um movimento que não tem volta.”


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