Imagine uma queda de braço. Duas pessoas com cotovelos apoiados sobre a mesa, punhos firmes, mãos dadas e dedos entrelaçados. Uma dessas pessoas é você com seus 30 e poucos anos. A outra é você também, mas numa versão do futuro, com 65.
Em disputa está o direito de usar o dinheiro na conta bancária. Se o seu “eu” do presente ganhar, está liberado planejar a viagem às Maldivas, quem sabe trocar de carro, além de comprar pequenos luxos no dia a dia – uma cerveja importada ou uma picanha de R$ 85 o quilo.
Se o seu eu do futuro levar a melhor, o dinheiro é investido agora e você só começa a gastá-lo depois dos 65. As regras são justas, mas há um porém. Seu eu de hoje sempre tende a vencer, já que nós, humanos, somos imediatistas. Queremos uma vida mais divertida o quanto antes. E é para isso que você trabalha, não?
Só que há um dilema. Se a versão 30 vencer todas as partidas, a conta bancária estará baleada quando você chegar aos 65. Em condições normais de temperatura e pressão, você terá só o parco benefício do INSS para viver. Vai pagar o feijão com arroz e olhe lá. Provavelmente suas contas não vão fechar – e serão longuíssimos anos assim. Depois que cruzam os 65, os brasileiros vivem mais 20 anos, em média.
Caso você não seja um feliz herdeiro, seu eu do futuro vai precisar da ajuda do seu eu de hoje. Ele será seu herdeiro. Para que isso aconteça de fato, só tem um jeito: de vez em quando você precisa deixar o seu eu de mais de 60 anos ganhar a queda de braço. Não sempre, mas ao menos o suficiente para garantir a ele uma vida equivalente à que você tem hoje.
É justo. E também chato. Gastar dinheiro é bom, uma cortesia da dopamina, o hormônio do prazer liberado quando você tira o dinheiro ou o cartão do bolso. Poupar, por outro lado, é uma privação. Abrir mão da euforia de gastar vira um esforço hercúleo para um resultado difícil de vislumbrar. Fica fácil entender por que a maioria quer fugir dessa conversa – a começar por esta repórter.
E há ainda um agravante. Sempre tem alguém disposto a transformar o “poupar para a velhice” em “contrate um plano de previdência privada”, desses caros, cheios de pegadinhas.
O que todo mundo precisa, na real, é de uma estratégia simples e que funcione. Eu, com 35 anos, também. É isso que vamos fazer juntos nas próximas páginas. Esqueça os profetas do apocalipse, ainda dá tempo.
INSS
O começo do planejamento é tão simples que exige apenas matemática básica. A primeira conta que você precisa fazer é uma subtração: seu gasto mensal hoje menos o valor da aposentadoria do INSS = o tanto que você precisaria para fechar as contas sem se afundar no cartão de crédito.
Na hora de fazer o cálculo, use quanto você ganha e gasta hoje – e esqueça essa coisa de imaginar qual será seu salário daqui a 30 anos. Se ele subir (espero que sim), você refaz a operação depois e tudo certo.
O problema: você não sabe quanto vai ganhar de aposentadoria para fazer o cálculo. O que dá para cravar é o seguinte: 64% das pessoas recebem um salário mínimo – no pior cenário, é o que vai pingar na sua conta. Na média, brasileiros recebem R$ 1.550 por mês. E o teto do INSS hoje é de R$ 7.087.
Antes que você sonhe com o valor máximo, lá vem o balde de água fria. Apenas 778 (repita: setecentas e setenta e oito) pessoas recebem isso – dá 0,002% de todos os segurados pelo INSS. Só não é mais difícil que a Mega-Sena e sua probabilidade de 0,000002%.
E tem alguma lógica, quando a gente pensa na própria história profissional. Dificilmente você começa a trabalhar ganhando uma nota: lá no início, o salário é mirrado e depois vai subindo. Só que o cálculo da aposentadoria é uma média de todos os salários da sua vida (limitados ao teto do INSS). Meu primeiro salário com carteira assinada, em uma empresa de telemarketing, era de uns R$ 400 (em 2005, quando o salário mínimo era de R$ 300). Isso vai entrar na conta e puxar meu benefício para baixo, não importa quantos anos eu contribua pelo valor máximo.
Tem mais. Depois da reforma de 2019, mulheres podem se aposentar assim que completarem 62 anos, se tiverem contribuído por 15 anos com o INSS. Ok, mas isso garante apenas 60% do salário médio. Significa que, mesmo que todos os salários de contribuição tenham sido pelo máximo, alguém nessas circunstâncias levaria apenas R$ 4.200. Para ganhar os 100%, é preciso comprovar 35 anos de pagamentos à Previdência. No caso dos homens, o mínimo é 65 anos de idade e 20 anos de contribuição – e o benefício completo vem depois de religiosos 40 anos de pagamento.
Esse monte de percentuais faz parte da chamada “taxa de reposição”, um conceito bem técnico, mas importante para entender o problema de não poupar para a velhice. Essa taxa é uma divisão do valor da sua primeira aposentadoria pelo montante do seu último salário, e serve para medir o quanto o INSS é capaz de preservar da sua renda depois que você deixa o mercado de trabalho. É o número que você precisa estimar para ter uma ideia de quanto vai ter de poupar para o seu eu do futuro.
Um estudo do INSS, feito em 2021 com base nas pessoas que se aposentaram em 2018, mostrou o seguinte: quem parou de trabalhar naquele ano e recebia mais de R$ 3.500 por mês levou para casa em média a metade desse salário na forma de aposentadoria.
Você dorme no dia 31 de março ganhando R$ 3.500 e acorda em 1º de abril com R$ 1.750. Sem economias, qualquer um com um buraco desses no orçamento acaba direto nos braços do cheque especial.
E óbvio: quanto mais seu salário estiver acima do teto do INSS, pior. A pessoa com maior renda que se aposentou em 2018 recebeu como último salário pouco mais de R$ 20 mil. Ela recebeu no máximo 25% disso como aposentadoria, já que o teto da época estava em R$ 5.000. Haja economia para cobrir a diferença – que o diga o banqueiro Sergio Rial, que por anos comandou o Santander no Brasil, e contou em 2019 que havia se aposentado pelo INSS.
Voltemos ao mundo dos mortais. Os detalhes das contas que você deve fazer estão na tabelinha aqui abaixo. São dois exemplos, de uma pessoa que ganha R$ 5.000 e outra que ganha R$ 10.000. Primeiro caso: alguém com renda de R$ 5.000 por mês e que espera receber uma aposentadoria de R$ 2.500. Vamos supor que essa pessoa já trabalhe para se tornar herdeira de si mesma e poupe 20% da renda todo mês (R$ 1.000). Ela gasta hoje, então, R$ 4.000. Como o INSS só vai garantir R$ 2.500, ela vai precisar de R$ 1.500 extras.
Beleza. Hora de multiplicar: quantos anos você vai viver depois de se aposentar? Aqui chutamos para cima em relação à média e estimamos que, com uma ajuda da medicina do futuro, será até os 95 anos. Isso dá 30 anos de complemento de renda, ou 360 meses. 360 x R$ 1.500 = R$ 540 mil. Esse é o dinheiro que você precisa ter investido aos 65 anos.
Seguindo a mesma lógica para uma pessoa com renda de R$ 10.000: ela talvez ganhe metade disso lá do INSS (R$ 5.000, com chances grandes de ser menos) e precisará complementar R$ 3.000 todos os meses. R$ 3.000 x 360 meses = R$ 1,08 milhão.
Espera. Mas do jeito que a conta do supermercado está, em 2052 vai dar para comprar dois pãezinhos, um litro de leite e uma bala de goma com R$ 1 milhão. Será que nosso esforço será em vão?
Excelente pergunta, jovem gafanhoto. Estamos prontos para falar de inflação.
Pobreza exponencial
É inevitável. Brasileiro tem encravado no DNA o instinto inflacionário, esse que faz você se sentir mais pobre o tempo todo – porque, bem, você vai ao supermercado e sabe como funciona. Isso torna paralisante a tarefa de fazer uma conta de décadas. É impossível saber se aquela nota de R$ 10 vai pagar um litro de gasolina, meio ou vai virar troco.
Nisso, não temos como te ajudar: a bola de cristal que tínhamos na redação da VC S/A quebrou. Mas uma coisa dá para afirmar. Aquele meio milhão que a gente está usando hoje na conta não vai valer quase nada. Desde que existe o Plano Real, há 28 anos, a inflação média do Brasil é de 7% ao ano. A gente sabe, o Banco Central disse que o plano é levar a inflação para 3,5% e que para 2024 a meta é de 3%. Mas olhando para o retrospecto do país é melhor não contar com isso.
Usando a média dos últimos 28 anos, o seu eu do futuro vai precisar não de R$ 540 mil lá por 2050, mas de R$ 4,5 milhões. Deu ruim. E para quem imaginava que a conta era salgada com R$ 1 milhão, imagine precisar de R$ 9 milhões.
Mas não nos xingue, a gente não te traiu com a conta de padaria. Esse é o jeito de pensar de forma concreta, sem que você precise usar a imaginação e nem estimar a inflação futura. Existe uma modalidade de renda fixa que faz esse trabalho por você, e que pode ser especialmente útil na tarefa de complementar o cascalho do INSS. Vamos a ela.
IPCA+
No mundo dos investimentos, há um “milagre” chamado Tesouro IPCA+, um dos títulos públicos vendidos pelo governo e disponível no Tesouro Direto. Os outros são o Tesouro Selic, bom para reserva de emergência, mas não para o longo prazo, e o Tesouro Prefixado, que no Brasil dos sobe e desce inflacionários acabou virando uma ferramenta especulativa, arriscada.
Bom, a graça do Tesouro IPCA+ é que ele tira da sua frente o problema da inflação. Com ele, você empresta sua grana para o governo com o acordo de que ele te devolve esse dinheiro daqui uns 20 ou 30 anos corrigido pela inflação, não importa o que aconteça com ela. Agora o IPCA está em mais de 10% ao ano? Beleza, você ganha os 10%. Voltou para 2%? Você ganha os 2%. Em resumo,o governo garante que seu dinheiro vai continuar comprando as mesmas coisas daqui 20 ou 30 anos. Então não precisamos imaginar inflações futuras e falar em “4,5 milhões”. Basta usar o termo “540 mil em valores de hoje”.
Dito isso, agora você pode pensar naquele “+” do IPCA+, que fará a multiplicação para valer do seu dinheiro. Esse “mais” diz quanto o governo vai te pagar além da inflação, o chamado “juro real”. E é ele o componente mágico que prova o seguinte: se poupar direitinho, dá tempo, sim, de se aposentar de maneira confortável.
Hoje o + é uns 5% ao ano. Bastante. Nos momentos em que a economia vai melhor, esse juro cai a uns 3%. Quando Brasília decide bagunçar o coreto, dispara para acima de 6%. Isso porque, se o país está uma quizumba, o governo precisa de mais dinheiro para continuar funcionando. E justamente porque ele precisa de um empréstimo maior, tem menos gente interessada em dar o empréstimo. Aí, só pagando mais caro.
E voilà: temos que crises geram oportunidades para a sua aposentadoria. Pegue aqueles R$ 1.000 mensais que o personagem do nosso exemplo poupa todo mês. Para atingir a quantia mágica de R$ 540 mil em valores de hoje até os 65 anos não vai demorar tanto assim. Se o cascalho for de 5% ao ano, você bate a meta mesmo tendo começado a poupar aos 42 anos. Já se ele for de 3% ao ano, você precisa de cinco anos a mais, tem que começar a investir aos 37.
Agora, atenção para o pulo do gato. Se o juro é de 5% ao ano e você começar aos 35 anos dá para investir até menos: com R$ 663 por mês você chega em 2052 com os seus R$ 540 mil. Aí a diferença, os R$ 337 que você está poupando, vão para planos de curto prazo: a grana para reformar a casa, fazer uma viagem bacana etc.
Se mesmo assim você preferir poupar os R$ 1.000 cheios, chega lá na frente com R$ 815 mil em dinheiro de hoje – uma folga de R$ 275 mil. Seu eu do futuro ganhará mais do que você.
Vale a mesma coisa se você é da turma do salário de R$ 10.000 e vai precisar daquele R$ 1,08 milhão lá na frente. Se começar aos 35 anos, com juros reais de 5%, bastam R$ 1.349 para que a conta feche. Caso você prefira seguir com a fórmula de poupar 20% do salário (R$ 2.000), chegará aos 65 com R$ 1,631 milhão na conta. Uma esticada de R$ 551 mil.
Agora, se você quer calcular com uma taxa média mais pé no chão, considerando as oscilações do mercado, melhor usar 4%. Também funciona – o resultado está na tabela abaixo. Você precisa de R$ 788 por mês por 30 anos para juntar R$ 540 mil, e de R$ 1.576 para alcançar o R$ 1,08 milhão.
E sem grandes dores de cabeça. Mesmo num cenário mais realista para o longo prazo, com juros reais de 3%, em média, a meta de ao menos manter a renda de hoje depois da aposentadoria é perfeitamente factível. Como dissemos antes, basta a disciplina de poupar 20% do salário a partir dos 37 anos.
O que você precisa é escolher títulos que tenham um vencimento parecido com a data em que você espera se aposentar e colocar dinheiro ali todo mês. A taxa de juros que o título oferece vai variar a cada compra. Um título que você adquire hoje pode pagar 5,5% ao ano pelos próximos 30 anos. É a “taxa contratada”. Ao comprar um título com a mesma data de vencimento no mês que vem, a taxa será outra (um pouco maior, ou um pouco menor).
Hum, mais uma coisa: a taxa contratada só vale se você levar o investimento até o final. Se você desistir no meio do caminho e quiser bater a carteira do seu eu de 65 anos, pode se dar mal. Há um risco grande de perder dinheiro.
Isso acontece justamente porque as taxas de juros dos títulos mudam todo dia. E se você quiser vender, o governo até vai recomprar (ele garante isso), mas vai ser pelo valor que ele sabe que outros investidores topariam entrar na brincadeira.
Funciona assim. Imagine que um dos títulos públicos da sua carteira tenha uma rentabilidade de 5% ao ano. Lindo. Mas se o juro vai a 5,5%, por que alguém compraria o direito de ganhar 5%? Até compram, na verdade, mas sempre com um grande desconto. Aí você pode acabar sacando menos do que aplicou.
Claro, o contrário também acontece. Se a economia voltar aos eixos nos próximos anos, o juro do IPCA+ cai para uns 3%. Nesse caso, outros investidores vão disputar a tapa o direito de ficar com o seu ganho de 5% ao ano. E aí dá para sacar com um lucro absurdo bem antes do vencimento. Mas, como estamos falando em aposentadoria, melhor deixar quieto.
Hoje há títulos do tipo IPCA+ que vencem em 2026, 2035 e 2045. Existe ainda a opção com pagamento de juros semestrais, com vencimentos em 2032, 2040 e 2055. Esse juro semestral é o governo adiantando uma parte do valor que combinou de te pagar. Se você escolher esse título, precisa obrigatoriamente reinvestir o lucro para conseguir a mágica da multiplicação do dinheiro. De verdade? Melhor focar nos tradicionais.
Para garantir uma aposentadoria, até dá para parar nos IPCA+. Mas, se você gosta de emoção, podemos falar também de alguns truques divertidos.
Ações
Se você tivesse colocado R$ 10 mil num Tesouro Selic da vida em março de 2002 e esquecido desse dinheiro lá, teria hoje na conta R$ 87,7 mil. Isso é um ganho de 770%, resultado de uma taxa de juros média de 11,7% ao ano nas últimas duas décadas.
Só tem um detalhe. Se você tivesse distribuído R$ 10 mil nas ações do Ibovespa lá em 2002 estaria hoje com R$ 105.800. Nesse período, o nosso amigo Ibov avançou 958%, ou 12,5% por ano.
Claro que essa não foi uma linha reta, longe disso. No meio do caminho houve a crise global de 2008, a recessão brasileira de 2015-2016, o crash da pandemia em 2020. Bolsa de valores é montanha-russa mesmo.
Por outro lado, em janelas de longuíssimo prazo, como essas que alguém planejando a aposentadoria tem, as ações tendem a render mais que investimentos em títulos públicos. Por quê? Bem, um empresário só coloca dinheiro num negócio se ele mesmo acredita que vai ganhar mais dinheiro do que emprestando para o governo. Quando você compra uma ação, está dividindo essa crença com os donos da companhia – e espera receber uma parte dos lucros como recompensa.
E reinvestir esses lucros faz mágica pelo seu dinheiro. A gente mostra isso no gráfico acima. Ele usa o exemplo da Vale, comparando dois investidores que compraram mil ações da empresa em 2011 a R$ 39 cada uma (o preço de 2011). O que muda: um deles usou os dividendos para comprar mais ações da empresa, enquanto o outro gastou a grana, sei lá, em Paris.
Depois de dez anos, o cara que só manteve as ações e gastou o lucro dos dividendos poderia sacar R$ 78 mil no final de 2021, uma valorização de 98% (ganho anual de 7,1%). Mas a pessoa que reinvestiu o lucro comprando mais ações da Vale a cada ano teve uma rentabilidade de 247% no período (13,24% ao ano). Pôde sacar R$ 59 mil a mais.
Você não precisa necessariamente escolher uma empresa que paga bons dividendos. Sua estratégia pode ser pegar carona em empresas com potencial de crescimento brutal, estilo Tesla. São empresas num estágio em que mal dão lucro, e quando dão, reinvestem no negócio para que ele continue crescendo. Se der certo, a mágica é parecida. Mas pode dar errado, claro, já que empresas novas ainda estão abrindo um mercado e podem quebrar antes (OGX) ou nunca dar lucro (Uber). Na dúvida, você pode fazer um mix das duas coisas: algumas empresas com potencial de crescimento, outras mais consolidadas e que pagam dividendos. Desde que você não deixe o dinheiro dos dividendos parado.
Um outro jeito de ter ações para longuíssimo prazo, mas sem precisar escolhê-las e pensar em reinvestimento, é comprar ETFs que seguem um índice amplo de ações, como é o Ibovespa. Aí você pode colocar no piloto automático, do mesmo jeito que falamos antes sobre o IPCA+. Escolheu o ETF? Pronto: todo mês você coloca um cascalho lá – do mesmo jeito que você paga o boleto da conta de luz.
Entre os ETFs daqui, o mais famoso é o BOVA11, mas existem outros 30 desse tipo. Basta procurar no seu home broker, da mesma maneira que você olha para ações.
Parece bom? Só não abandone o Tesouro IPCA+. Mesmo um investidor muito disposto a correr riscos deveria manter pelo menos 70% do dinheiro em renda fixa, e deixar 30% para o mercado de ações. O coração do seu eu futuro será mais saudável caso você não passe tanto nervoso.
Aqueles 12%
Até aqui, acho que deu para entender que você não precisa de um plano de previdência privada para planejar sua aposentadoria. Em geral, eles fazem mais bem para os bancos e seguradoras do que para você. Um dos motivos é que o assunto é complexo demais, e vira uma grande rebimboca da parafuseta. O gerente do banco começa a falar sem parar um monte de termos técnicos – PGBL, VGBL, tributação progressiva e regressiva…
Então vamos por partes. Se você quer driblar burocracias de inventário para deixar herança para filhos, marido ou mulher, pais e até amante (risos), talvez você possa fazer um bom uso de planos de previdência privada. Mas a gente não vai falar disso. Esta é uma reportagem 100% egoísta: estamos pensando exclusivamente em como construir a sua própria herança, e não em como deixar dinheiro para alguém.
E, nesse cenário, plano de previdência só serve se você conseguir dar uma pedalada tributária no governo. Mas para entender como isso funciona, a gente precisa falar antes de outro tema chato: Imposto de Renda.
Responda sim ou não: 1) você tem renda tributável (salário pago por empresa ou vive de renda de aluguel, por exemplo)? 2) Você faz declaração de Imposto de Renda pelo modelo completo, aquele em que você informa despesas com educação, saúde e dependentes? Segundo a Receita Federal, 40% dos contribuintes costumam usar esse sistema, 60% vão pelo esquema simplificado.
Se a resposta for sim para as duas perguntas, você pode dar a tal pedalada no governo quando contrata um plano de previdência. Se esse não é o seu caso, risque planos de previdência do seu vocabulário e não aceite cafezinho com o gerente.
Para a turma da declaração completa, precisa ser um plano do tipo PGBL – e não VGBL. Foque em ter um P no nome e não se importe com o significado da sigla, que não diz nada (é Plano Gerador de Benefício Livre – se você conseguir explicar o que isso quer dizer em português, te pagamos uma cerveja).
O dinheiro que você investe no PGBL vira uma espécie de “despesa” na sua declaração de Imposto de Renda, e reduz o quanto você deve para o governo. Mas não é tipo gasto com saúde, que é festa do caqui – no PGBL, há um limite de 12% da sua renda com salário e aluguéis.
Como faz a conta? Some seus 12 contracheques (sem 13º e férias, só o ganho mensal mesmo). Quem ganha R$ 5.000 por mês tem renda tributável de R$ 60 mil por ano. Beleza. 12% de R$ 60 mil dá R$ 7.200. Se você colocar esses R$ 7.200 em um plano tipo PGBL ao longo de um ano, ganha o montante como um desconto na declaração do IR no ano seguinte.
A vantagem é óbvia. Você paga menos imposto e faz o dinheiro render desde já. Mas isso não é uma isenção de IR, por isso a gente chama de pedalada (o nome técnico é diferimento). No futuro, na hora de usar o dinheiro, você vai pagar o imposto. Já chegaremos lá. Antes vamos falar de duas dicas de ouro para fazer isso valer a pena MESMO. Elas foram dadas pelos planejadores financeiros Liao Chieh e Marcia Dessen, que nos ajudaram em toda essa reportagem.
A primeira: faça um único aporte por ano, em dezembro, quando for capaz de calcular o quanto ganhou no ano que passou. Se você for demitido no meio ano (toc-toc-toc), pode acabar depositando no plano mais que os 12% que fazem a previdência valer a pena. E se a empresa para a qual você trabalha oferece planos de pensão, primeiro descubra o quanto você já contribuiu para esse plano. O limite de 12% vale mesmo que você tenha mais de um fundo.
E isso está diretamente ligado à segunda dica: nunca, sob hipótese alguma, invista mais de 12% da sua renda em planos de previdência. Em vez de ganhar um desconto no IR, você vai pagar imposto em dobro. E estamos dizendo isso porque justamente no fim do ano os bancos começam a pressionar para você usar o dinheiro do 13º para aumentar os aportes em previdência – mesmo que você não precise. É dinheiro no lixo.
Acompanhe no passo a passo. Quando o governo te dá um desconto para investir, todo o dinheiro fica lá carimbado dentro do fundo, mas só 12% te ajudaram a pagar menos imposto. Se você tinha R$ 7.500 de cota de isenção e colocou R$ 10 mil, esses R$ 2.500 a mais foram tributados pela Receita.
Na hora de gastar o dinheiro, daqui 30 anos, você vai fazer um resgate e aí pagará IR, assim como acontece com qualquer investimento. De quanto? Bem, aqui entra mais uma cilada dos planos de previdência. Existem dois tipos de tributação, que o jargão chama de progressiva e regressiva. Marcia Dessen ensina de um jeito mais simples.
Se você adota o sistema progressivo, o dinheiro vai ser considerado um salário na hora que você resgatar. E ele vai ser taxado junto com sua aposentadoria do INSS e outras rendas que tiver lá na declaração anual do IR. O provável é que você pague 27,5% de IR. Aí, a vantagem é ter adiado o pagamento do imposto em 30 anos.
No modo regressivo, o dinheiro é tratado como um resgate de investimento, com o imposto retido “na fonte” – o dinheiro cai na conta depois do desconto e você nem percebe. E com uma vantagem de verdade. Quem mantém o fundo por mais de 10 anos paga 10% de IR sobre o ganho no período. Além de ter conseguido investir por anos a fio, e se beneficiado dos juros compostos, você paga 10% de imposto, em vez de 27,5%. Aqui a mágica da pedalada no governo acontece na sua plenitude e justifica todo o trabalho de entender o fundo de previdência.
Só que, se você investir mais de 12% da sua renda num plano de previdência, você paga imposto duas vezes. Os 27,5% do passado MAIS os 10% do resgate, sacou?
E como as pegadinhas não acabam, vamos a mais uma. Por padrão, se um banco não te perguntar qual o sistema (progressivo ou regressivo) você quer, você entrará no progressivo, o pior. E não caia na ladainha de quem diz que ele tem vantagens e desvantagens. A regressiva te beneficia mais.
Resumindo: se você quiser muito investir em um plano de previdência, vá num PGBL de tributação regressiva, aplique 12% da sua renda anual uma vez por ano, no fim do ano. Ponto.
Ok, qual fundo? Cuidado com as taxas dos fundos de banco. Vale um trabalho de formiguinha no site da corretora mesmo, em busca de fundos com taxas de administração baixas (no máximo 1,5%) e que tenham um histórico de rentabilidade consistente. Foque nos que seguem estratégia multimercado (títulos públicos + ações), que exigem um pouco mais de trabalho de quem está ganhando a sua taxa de administração.
E se escolher uma previdência privada for uma tortura, nem perca tempo. Você já sabe os macetes do caminho mais fácil, e sem tantas taxas, então não tem por que ficar preso na parte difícil. O foco é tirar seu plano do papel. Quando chegar a hora de se aposentar, seu eu futuro vai te agradecer – com um mergulho em Noronha, quem sabe?