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Conheça a história de Luiz Barsi, rei dos dividendos da bolsa brasileira

Desde o início de sua carreira no mercado financeiro, Barsi defende que investir em ações é o melhor jeito de garantir uma aposentadoria confortável. Em sua autobiografia, ele conta como construiu essa filosofia.

Por Camila Barros
9 dez 2022, 06h28
Ilustração de um senhor idoso lendo em uma cadeira.
 (CSA Images/Getty Images)
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Luiz Barsi Filho começou a frequentar a bolsa de valores quando aquilo ali ainda era tudo mato. Literalmente frequentar: lá na década de 1960, os pregões aconteciam em balcões de madeira redondos, chamados de corbeilles. No centro do círculo, os funcionários da bolsa anunciavam, em ordem alfabética, as ações negociadas. Ao redor, algumas dezenas de corretores berravam se queriam comprá-las ou vendê-las, acompanhando as cotações escritas em lousinhas de giz. 

Foi nesse feirão financeiro que Barsi começou a trilhar o caminho para se tornar o maior investidor individual do Brasil, atualmente com um patrimônio estimado de R$ 2 bilhões em ações. Fortuna self-made: filho de imigrantes europeus pobres, Barsi passou a infância dividindo seu tempo entre estudar e fazer bicos para ajudar a mãe viúva com as contas da casa na Mooca, bairro italiano de São Paulo. 

Hoje, Barsi é conhecido como o Warren Buffett brasileiro. Assim como o guru da Berkshire Hathaway, ele montou sua estratégia de investimentos voltada para o longuíssimo prazo, investindo em empresas de setores perenes (bancos, energia, saneamento) com histórico de bom pagamento de dividendos

Atenção, a palavra-chave é essa: dividendos. Para Barsi, uma ação não é coisa que se compre para vender por um preço mais alto depois. Ele compra para ter uma fatia da empresa para sempre, e viver da renda distribuída por ela periodicamente. 

No trecho a seguir, ele conta quais foram os primeiros passos para construir essa filosofia, publicada pela primeira vez na década de 1970, em um ensaio que chamou de “Ações Garantem o Futuro”.

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(Arte/VOCÊ S/A)
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Capítulo  6 – O teórico

Atuando como consultor econômico-financeiro independente, eu conseguia manter meus filhos com algum conforto e oferecer boas condições de vida à minha mãe, com quem eu morava. (…) No entanto, de alguma forma, o menino do Quintalão tinha deixado em mim um medo entranhado de um dia voltar a ser pobre. 

E, o que seria pior, velho e pobre. Na época, as pessoas contribuíam para o Instituto Nacional de Previdência Social, o INPS, criado em 1966 a partir da fusão de diversos institutos previdenciários privados. Embora ainda fosse recente, tinha sido anunciado como uma grande conquista nacional, e todo brasileiro sonhava um dia aposentar-se pelo INPS, como muitos hoje ainda falam em se aposentar pelo INSS, o Instituto Nacional do Seguro Social.

Eu refletia bastante sobre esse assunto. (…) No boom da bolsa, tive certeza de que havia encontrado um caminho. O crash que veio a seguir abalou essa certeza. Então fiz o que costumo fazer quando estou diante de uma situação complexa para a qual não tenho resposta.

Fui estudar. Comecei pela previdência brasileira. 

Ao contrário de muitos dos meus amigos, eu não estava convencido de que o INPS fosse um bom negócio. Meu conhecimento de economista me dizia que a ideia de contribuir por 30 anos para receber um benefício pelo restante da vida talvez não vingasse. Naquele momento, a expectativa de vida no Brasil era de 57 anos, mas… e se aumentasse? Haveria dinheiro para pagar mais gente por um tempo tão incerto e longo? Logo cheguei à conclusão de que a previdência compulsória, essa mesma que todos hoje têm pelo INSS, não possuía uma estrutura capaz de sustentar o cidadão com uma provedoria que lhe proporcionasse uma vida boa.

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Tinha que haver um jeito melhor de se aposentar

Minhas pesquisas me levaram ao mercado americano. Lá (…), as pessoas se aposentavam pelas empresas. Em seus anos produtivos, elas compravam ações que pagassem dividendos, e esses dividendos respondiam pela renda de boa parte da população quando finalmente chegava a hora de se aposentar. 

Talvez eu tenha enxergado algo que era difícil perceber naquele momento. Em 1970, a pirâmide etária brasileira era de fato uma pirâmide – larga na base, estreitando-se harmoniosamente até o topo. A população do país era em torno de 95 milhões de pessoas, cerca de três quartos delas com menos de 54 anos, portanto em condições de contribuir. 

Porém, em retrospecto, mesmo o cenário dos anos 1970 não era dos mais alvissareiros para a manutenção da previdência pública. Os sinais já estavam no horizonte. As mulheres ensaiavam sua entrada no mercado de trabalho, o número de filhos por família começava a diminuir, avanços na medicina e nas condições de saneamento favoreciam a longevidade e, bem, já era possível suspeitar que em algum momento no futuro não haveria gente suficiente trabalhando para manter os aposentados. Vale lembrar que nossa previdência é estruturada de tal modo que quem trabalha sustenta os que já se aposentaram. 

(…)

Embora eu contribuísse para o INPS na época, jamais teria uma aposentadoria decente. Eu não deveria me lastrear para ser um associado da previdência – teria que criar a minha própria previdência. (…)

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Analisei outros investimentos disponíveis na época, como letras de câmbio e bônus rotativos, modalidades também negociadas em bolsa de valores. E ações. Fiz uma análise bastante criteriosa de empresas capazes de gerar uma renda mensal favorável e cheguei a um nome: Anderson Clayton, uma multinacional americana que havia desembarcado no Brasil em 1934 e destacava-se no processamento de soja para produzir óleo de cozinha. 

(…) Como era uma empresa que atuava em um setor perene, imaginei que estaria seguro investindo nela. Analisei o preço das ações da companhia na época e projetei a compra de certa quantidade de papéis durante 30 anos, considerando os dividendos pagos então.

(…) Liguei para o vice-presidente da empresa no Brasil, Guilherme de Jesus Falavina. Falei sobre meu estudo e consegui que ele me recebesse para avaliar o trabalho que eu tinha feito. O Dr. Guilherme foi só elogios. Estava fantástico, disse. Só havia um problema: eu não prosperaria daquela maneira. Fiquei intrigado. 

– Você sabe quem são os proprietários da Anderson Clayton? – ele me perguntou. 

Eu não sabia. Então, pedindo confidencialidade, ele explicou:

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 – São duas senhoras americanas octogenárias que estão sob forte pressão para vender o controle acionário da empresa. Não sei por quanto tempo ainda resistirão.

Diante dessa incerteza, não comprei ações da Anderson Clayton. Em 1986, a empresa foi de fato adquirida pela Gessy Lever, mais tarde incorporada à Unilever. Mesmo assim, considerei que o princípio básico do livreto, ou seja, o potencial das ações como fonte de receita, continuava intocado e possivelmente valeria para empresas de qualquer setor, principalmente de setores perenes.

Descartada a Anderson Clayton, a segunda empresa que analisei seriamente foi a CESP, sigla, à época, para as Centrais Elétricas de São Paulo (mais tarde, Companhia Energética de São Paulo; hoje, Auren Energia). A CESP chamou minha atenção porque, diferentemente da Anderson Clayton, era uma empresa de valor unitário 1, ou seja, cada vez que aumentasse o capital, era obrigada a ampliar a quantidade de ações na mesma medida.

Além disso, pagava 10% de dividendos ao ano, bem mais que a Anderson Clayton, o que me dava a perspectiva de ampliar rapidamente minha posição. Refiz meu estudo considerando a CESP. 

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Imaginei que, em vez de contribuir para a previdência oficial durante 30 anos, aqueles mesmos 10 funcionários viessem a adquirir todo mês mil ações da companhia. (…) Fiz meus cálculos com base em números reais naquele momento, 1974, quando os papéis da CESP tiveram uma lucratividade de 48%, o correspondente a 4% ao mês, acima da média dos títulos de renda fixa. A partir dos números que obtive, reescrevi o ensaio, ao qual dei o nome de “Ações garantem o futuro”. Porque era nisso que eu acreditava. E cada vez mais é nisso que acredito.

Nesse ensaio, afirmei que “apresentando todas as características de segurança, rentabilidade e liquidez, o risco do investimento é praticamente inexistente”. Projetando para o futuro, (…) cheguei a algumas conclusões interessantes. A primeira delas foi que o investidor só teria que tirar dinheiro do próprio bolso até o quinto ano do investimento. A partir do sexto ano, os dividendos recebidos já cobririam as aplicações posteriores.

A segunda é que, reaplicando parte dessa receita, o futuro aposentado investidor passaria a ter uma renda adicional do sexto ano em diante. A seu critério, ele poderia, claro, aplicar todo o dividendo auferido, o que abreviaria o tempo até a aposentadoria.

A terceira dizia respeito à gestão do patrimônio. Como o próprio investidor administraria seus papéis, estaria livre dos riscos inerentes à maioria dos investimentos de longo prazo, situação em que terceiros tomam decisões nem sempre prudentes ou acertadas. O investidor tampouco teria despesas administrativas, claro. 

(…)

Escrevi isso em meados dos anos 1970. Raciocinar assim desde aquele momento foi vital para que eu me tornasse quem sou hoje. Nas minhas conclusões já transparecia muito da filosofia de negócios em bolsa que conduzi ao longo de toda a minha vida de investidor.

 

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(Arte/VOCÊ S/A)
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