Entrar no rotativo do cartão é como jogar cara ou coroa com as finanças. Na média, um cliente que deixa de pagar a fatura do cartão de crédito no primeiro mês tem 50% de risco de ficar inadimplente. E vai pagar, por isso, juros que beiram os 500% ao ano. São mais de 70 milhões de devedores com nome sujo no Serasa e um terço das dívidas é no cartão de crédito.
Uma das promessas de campanha do governo foi tentar desatar o nó da inadimplência. E isso passa pelo cartão. Aí criou-se uma batalha entre bancos e Brasília.
A proposta que mais vem angariando apoio está no Congresso, dentro do projeto do Desenrola. A ideia é limitar o crescimento da dívida a 100% do valor. Deixou de pagar R$ 1 mil? O bolo para de crescer em R$ 2 mil. Atrasou R$ 5 mil, o teto é de R$ 10 mil. Esse é o “pior cenário”, que entraria em vigor caso os bancos não proponham uma alternativa mais eficiente para coibir o hiperendividamento no cartão.
O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, chegou a ventilar o fim do rotativo. Toda vez que o cliente deixasse de pagar a fatura completa, em dia, teria o saldo devedor parcelado automaticamente e com juros de 9% ao ano. Em 2020, o cheque especial ganhou um teto de 8% ao mês – a inadimplência caiu e não houve redução no acesso ao crédito.
O problema é o seguinte: os bancos não estão dispostos a negociar nesses termos. Eles afirmam que o juro do rotativo só é alto dessa maneira porque o ganho é usado para cobrir o parcelamento sem juros. E que só dá para resolver uma coisa arrumando a outra.
Trata-se de barganha. Há anos os bancos tentam emplacar parcelamento com juros, sem sucesso. Hoje, metade das transações com cartão de crédito é no parcelado sem juros, que soma mais de R$ 1 trilhão. O eventual fim da modalidade oferece riscos reais à economia.
Não que o pagamento sem juros não tenha juros. Ele tem. É por isso que o comércio geralmente oferece desconto para pagamento à vista. O abatimento médio é de 5%. Em outras palavras, esse é o juro embutido nas transações financeiras, mesmo para compras em prazos mais longos. O problema é que os bancos tentam cobrar, no parcelamento com juros, 5% ao mês, não por compra. Aí a conta não fecha – nem para o consumidor nem para o comércio.
No debate, os bancos também vêm afirmando que, hoje, quem decide conceder o crédito no parcelamento não corre o risco de calote. Ou seja, que os lojistas parcelam, mas o risco é do banco. Não é bem assim: o lojista só pode oferecer o parcelamento porque inicialmente o banco ofereceu um limite de crédito ao cliente. Se esse cliente oferece mais risco do que o banco está disposto a correr ao parcelar uma compra, é porque houve um erro de análise na concessão do cartão.
É uma queda de braço que está perto do fim. E que, independentemente da solução adotada, indica que o cartão de crédito no Brasil não será mais como antigamente.