Nesta madrugada, a Câmara aprovou, em dois turnos de votação, a proposta de reforma tributária. É um momento histórico: há mais de três décadas se discute mudanças no complexo e atrasado sistema tributário brasileiro, mas só agora o Congresso e o Executivo conseguiram finalmente se alinhar.
O texto do relator Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) passou com 382 votos a 118 no primeiro turno; no segundo, o placar foi de 375 a 113. O mínimo exigido era 308 votos, e a reforma teve apoio até de parte da oposição. Agora, a Câmara deverá votar quatro destaques na sessão de hoje e, logo depois, a proposta irá ao Senado, onde a expectativa de aprovação também é grande.
A reforma atual foca na tributação sobre consumo, produtos e patrimônio; as discussões sobre renda e investimentos ficaram para depois. A PEC prevê um prazo de 180 dias, após sua aprovação, para que a reforma do IR seja apresentada ao Congresso.
A principal mudança é unificar cinco impostos em dois. Os três federais PIS, Cofins e IPI, ICMS (estadual) e ISS (municipal) deixarão de existir. No lugar deles, entram a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), gerido pela União, e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido por estados e municípios.
Tanto o CBS quanto o IBS são impostos do tipo IVA (Imposto sobre Valor Agregado), e por isso a reforma institui um “IVA dual” (com uma parte gerida pelo governo federal e outra pelos estados e municípios). A vantagem desse tributo, adotado em boa parte do mundo desenvolvido, é que ele incide apenas sobre o valor final da venda ou consumo do produto, e não no meio da cadeia produtiva, o que simplifica tudo e evita o efeito em cascata (imposto sobre imposto). Cada parte da cadeia paga o imposto somente sobre o valor que agregou àquele produto final.
Há ainda a criação de um terceiro tributo,o Imposto Seletivo (IS). O novo tributo incidirá sobre a produção, comercialização ou importação de produtos considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, com o objetivo de desestimular o seu consumo. Entram nesse grupo o cigarro, bebida alcoólica e agrotóxicos, por exemplo.
A versão votada pelos deputados também inclui a isenção total dos IVAs para produtos da cesta básica – a medida foi tomada após críticos à reforma sugerirem que as compras dos mais pobres ficariam mais caras. Agora, uma lei complementar deverá ser discutida para definir quais são os produtos que entram nessa cesta zerada de impostos.
Há ainda a cobrança de alíquotas menores (40% da alíquota cheia) ou zeradas para alguns produtos e serviços, como medicamentos, serviços de saúde e educação, transporte público coletivo, atividades artísticas, alguns itens agropecuários e outros.
O saldo geral da reforma não muda a carga tributária, ou seja, não aumenta ou diminui o total de impostos pagos.
A reforma também não afeta diretamente a Zona Franca de Manaus, que segue com tratamento tributário diferenciado, e também não inclui automaticamente as empresas do Simples Nacional, que poderão escolher entre manter o sistema atual ou migrar.
Por fim, há mudanças nos impostos sobre o patrimônio. A reforma impõe tributação progressiva para as heranças, cobradas via ITCMD. Pelo texto, a alíquota sobe de acordo com o valor herdado. Haverá ainda cobrança de IPVA para lanchas e jatinhos. Por fim, prefeituras vão ganhar autonomia para atualizar a base de cálculo do IPTU.
O texto também prevê um período de longa transição entre os impostos antigos e os novos, para os estados e municípios conseguirem se adaptar aos poucos. Para o contribuinte, a mudança começa em 2026, sendo que PIS, Cofins e IPI seriam substituídos já em 2027 pelo CBS. Já o IBS (dos estados e municípios) entrará em cena em 2026 com uma alíquota de teste de 0,1%, e subirá gradualmente a partir de 2029 até 2033, ano da extinção do ICMS e ISS.
Os efeitos da histórica reforma na atração e retenção de investimentos e na atividade econômica em geral podem ser grandes, já que, no confuso sistema atual, se perde muito tempo para apurar e pagar impostos. Um estudo do Ipea, por exemplo, calculou que as mudanças podem gerar um crescimento adicional de 2,39% no PIB brasileiro entre 2027 e 2023, comparando com as projeções de crescimento feitas sob o regime tributário atual. É impressionante ante o crescimento médio de 0,26% da economia brasileira entre 2011 e 2020.
Ou seja, trata-se de uma excelente notícia para o país. E a Faria Lima tem motivos para comemorar. Resta saber se haverá espaço para isso com o azedume dos investidores nos EUA.
Esse texto foi publicado originalmente na nossa coluna de Abertura de Mercado.