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O colapso do TerraUSD e a corretora com juros mágicos de Do Kwon

A criptomoeda do coreano Do Kwon, lastreada num algoritmo engenhoso, dependia de algo bem mais simples para existir: uma pirâmide de Ponzi, com fluxo eterno de novos investidores.

Por Bruno Vaiano, com design de Brenna Oriá, ilustrações de Estevan Silveira e edição de Alexandre Versignassi
Atualizado em 6 dez 2022, 08h23 - Publicado em 8 set 2022, 14h53
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 (Estevan Silveira/VOCÊ S/A)
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Stablecoins (“moedas estáveis”) são criptos com valor atrelado ao dólar. A mais popular é o Tether. Essas criptos não sofrem flutuações bruscas de preço, como Bitcoins e afins. Sem a montanha-russa no gráfico, são inúteis para especulação. Mas a ideia ali é outra. Elas fazem algo que o dólar não faz: rodam em apps de finanças descentralizadas (DeFI), nas quais você empresta criptos e colhe juros relativamente generosos, sem intermédio de um banco.

O problema é que não basta decretar que sua moeda vale US$ 1 para que ela valha US$ 1 – que o diga a Argentina nos anos 1990. Uma estratégia é ter um lastro: você guarda U$ 1 no cofre para cada cripto em circulação. A Tether funciona assim.

Outro jeito é dar uma de Banco Central: tirar cripto de circulação quando o preço está muito baixo e colocar cripto nova em circulação quando preço está alto, de modo a mantê-la oscilando dentro de margens seguras. Nada muito abaixo de US$ 0,99 ou acima US$ 1,01. É assim que funcionava a stablecoin TerraUSD, criada em 2018 pelo coreano Do Kwon. 

Os Bancos Centrais evitam inflação (e deflação, quando ela se torna crônica) pilotando com cuidado a taxa básica de juros. No mundo digital, a solução é usar outra cripto de bode expiatório, para absorver a volatilidade. A cripto volátil da Terra se chamava Luna. Um parzinho. E as duas eram livremente intercambiáveis. Para dar o exemplo mais redondo possível: se 1 Luna estiver valendo US$ 100, você pode trocá-la por 100 TerraUSD. 

Agora vem o pulo do gato. Imagine que tem muita gente comprando TerraUSD e o preço dessa stablecoin subiu para US$ 1,05 pela alta demanda. Imagine também que a cotação da Luna é essa que já citamos: US$ 100. Se você trocar sua Luna de US$ 100 por 100 unidades de TerraUSD, essas unidades vão valer US$ 105. Eba. Você lucrou US$ 5. (Faça a mesma operação com US$ 100 milhões e você lucra US$ 5 milhões na hora – Charles Ponzi ficaria emocionado.) 

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Por outro lado, se a demanda por TerraUSD estiver baixa e o preço cair para US$ 0,95, você faz a operação inversa: troca seus 100 TerraUSD (que valem US$ 95) por 1 Luna (que vale US$ 100), e ganha cinco contos do mesmo jeito.  

A magia da coisa: ao vender Luna para comprar Terra em alta, os investidores aumentavam a quantidade de Terra em circulação, e o preço ia caindo de volta para o patamar de US$ 1. Já o movimento na direção contrária – a troca de Terra em baixa por Luna – tornava a Terra mais escassa. Então, ela subia de volta para o patamar de US$ 1. No fim das contas, tínhamos uma stablecoin sem lastro. 

Legal, você tem um esquema regulado pela mão invisível da ganância. O problema agora é convencer alguém a comprar TerraUSD, e não qualquer outra stablecoin. Para isso, existia a Anchor, uma corretora DeFi criada pelos emissores dessa cripto. 

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Se você depositasse TerraUSD lá, ganhava 20% de juros, o que garantia demanda à vontade. Um milagre. Houve quem fizesse tatuagens em homenagem à Luna (duvida? Olha só). O próprio Do Kwon batizou sua filha de Luna, deslumbrado pela própria criação.

Mas espera: de onde vinha a grana para pagar tudo isso? Só poderia ser do bolso de novos investidores. 

O mercado passou a desconfiar de que se tratava de uma pirâmide. Quem tinha Lunas, a parte mais volátil do sistema, passou a vender loucamente, enquanto era tempo. E a cotação caiu a zero. Com a Luna valendo nada, a TerraUSD ficou sem “lastro”. E foi a zero também. Quem tinha entrado na jogada atrás dos tais juros de 20% se viu sem nada. Era uma pirâmide mesmo, e de Gizé: fala-se em um prejuízo total de US$ 40 bilhões para os investidores. 

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Esse foi um dos marcos do que a imprensa convencionou denominar inverno cripto, uma crise de confiança em moedas digitais que causou quedas brutais nas cotações dos gigantes Bitcoin (50% entre maio e junho) e Ethereum (65% no mesmo período), para não falar na aniquilação completa de peixes menores do ecossistema.

Um desses peixinhos (que não era pequeno coisa nenhuma: tinha market cap de US$ 28 bilhões em 2021, mais do que o total guardado no Nubank), era a cripto Celsius, que pagava juros a seus investidores usando dinheiro que ela conseguia investindo – isso mesmo! – na Anchor. Uma enorme fileira de dominós, que caíram um a um. 

No final das contas, toda cripto é uma espécie de pirâmide. Mesmo que quando não há um chefão do crime enchendo os bolsos na outra ponta – e sim engenheiros de software bem-intencionados ou economistas jovens que sonham com um algoritmo capaz de substituir o ouro –, a única maneira de manter as cotações em alta é garantir um fluxo incessante de novas pessoas no barco, para que as antigas tenham a quem vender o conteúdo de suas carteiras. Entenda melhor em nossa reportagem de capa de janeiro. 

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