Três frentes frias atingem o mercado ao mesmo tempo, e causam geada na bolsa
A primeira onda glacial veio dos EUA, com a queda brusca da Amazon; a segunda, da China; a terceira, de Brasília.
Eita. 81 das 84 ações do Ibovespa fecharam no negativo. Sabe quando já está frio pra caramba e a Anne Lottermann avisa que vai chegar outra frente fria em cima? Foi basicamente o que aconteceu com o mercado hoje. Com uma diferença: três frentes frias sobrepuseram-se hoje, e o Ibov fechou em gélidos – 3,08%.
Frente fria oriunda dos EUA
A primeira onda gelada veio de Seattle, onde fica a sede a Amazon. A galáctica companhia apresentou seu balanço para o segundo trimestre na quinta à noite, e os resultados vieram abaixo do esperado.
O irônico é que esse “abaixo do esperado” foi um aumento de 48% nos lucros na comparação entre o 2T21 e o 2T20. Eles passaram de US$ 5,2 bilhões para US$ 7,8 bilhões.
Mesmo assim, as ações da empresa desabaram. É que, quando se trata da Amazon, o mercado olha mais o faturamento bruto do que o lucro. A margem da Amazon é relativamente baixa, 6%, contra 40% da Apple. Então se a empresa faturar bem o mercado já curte, mesmo que os lucros não sejam grande coisa – a ideia é que, com faturamento lá em cima, bastará à Amazon fazer alguns ajustes para buscar uma margem mais sólida.
Bom, o problema é que a receita veio menor do que a expectativa. Havia um consenso no mercado de que a Amazon faturaria US$ 115 bilhões. Fecharam em US$ 113 bilhões. E anunciaram que no terceiro trimestre esse número não passará de US$ 112 bilhões – contra US$ 118 bilhões esperados pelos videntes de Wall Street.
Sim, não é nada que obrigue Jeff Bezos a vender seus foguetes para o ferro velho para pagar a conta de luz. Sem falar que tratam-se de aumentos substancial sobre os faturamentos do 2T20 (US$ 88 bi) e do 3T20 (US$ 96) – lembrando que a Amazon não perdeu com a pandemia, só ganhou (o isolamento lá atrás bombou sua base de clientes). Mesmo assim, isso bastou para as ações da companhia caírem 7,56%.
O tombo puxou o Índice Nasdaq para o negativo (-0,71%), o que mandou ventos frios para todas as outras bolsas do mundo. O medo é: se nem a Amazon consegue um faturamento em linha com o que o mercado espera, imagina o resto.
A tal expectativa do mercado está um tanto exagerada? A história da economia moderna indica que sim – mercados em níveis recorde, como o dos EUA hoje, costumam sempre abrigar expectativas desvairadas. Uma hora, porém, o pessoal cai do cavalo. É precisamente o que aconteceu hoje. O mercado queria um valor irreal, esse valor não veio, e aí o próprio mercado corrigiu sua expectativa – vendendo ações da Amazon em peso e criando uma baixa histórica, com consequências glaciais não só para as bolsas americanas, mas para as do resto do mundo também.
Se fosse só isso, na verdade, até que o Ibovespa não fecharia tão mal. O problema, como dissemos antes, é que vieram outras duas frentes frias. A mais forte delas, lá do sudeste asiático.
Onda gelada vinda da China
O minério de ferro caiu que nem as ações da Amazon: 7,39%, fazendo o preço do minério de ferro voltar dois meses no tempo, para a casa dos US$ 180 a tonelada.
Se você precisa de um culpado, ei-lo: o governo chinês. Pequim está agindo com firmeza para reduzir a produção de aço (material cuja matéria prima mais importantes é, claro, o minério de ferro). Impuseram tarifas de exportação de até 40% para as siderúrgicas do país.
O governo quer reduzir a produção por três motivos: evitar uma bolha (que poderia causar uma quebradeira econômica caso estourasse de maneira repentina), evitar que falte aço dentro da China por excesso de exportação e baixar as emissões de CO2 do país.
Para o Partido Comunista, pelo jeito, missão dada é missão cumprida. E tudo indica que vão continuar intervindo no mercado enquanto não chegarem aos seus objetivos.
Como esses objetivos vão contra os interesses dos grandes produtores globais de minério de ferro (tipo a gente), tivemos a grande frente fria desta sexta feira: a Vale, maior companhia da bolsa, tombou 5,89%.
E a massa de ar glacial que chegou de Brasília
Se a essa altura o dia mal tinha começado e a sensação térmica do mercado era de 2 graus Celsius, tudo gelou de vez depois de uma declaração de Bolsonaro.
Primeiro, teve a infame live presidencial de ontem, cheia de argumentos espúrios para defender sua teoria do momento, a de que as eleições brasileiras são uma grande farsa, fruto da manipulação das urnas eletrônicas (a que ele ganhou, pelo jeito, seria só “meia farsa”, certo?).
Aberração à parte, o que parece ter pegado mais forte para o mercado foi outra declaração, dada hoje pela manhã: a de que ele pretende aumentar o bolsa família em pelo menos 50%, e dar um jeito de furar o teto de gastos. O teto é a âncora mais fundamental para a estabilidade das contas públicas, e da própria economia do país.
Furar o teto significa, em última instância, imprimir dinheiro além da conta. Isso causa mais inflação. Para combater a inflação, aumenta-se os juros. Juros altos = consumo baixo. Consumo baixo = menos PIB, menos emprego, mais pobreza. E mais gente precisando de Bolsa Família, num ciclo vicioso cujo final é apocalíptico.
E agora tudo indica que Bolsonaro não vai medir esforços para começar uma gastança populista, a fim de amealhar mais votos em 2022. E, se não amealhar, o roteiro já está pronto: ele dirá que a eleição foi roubada, com consequências imprevisíveis para o futuro da democracia.
Diante de tudo isso, fica só um comentário: o Ibovespa caiu foi pouco. Até segunda.
Maiores altas (e menores baixas)
Vivo: 0,39%
JBS: 0,34%
Cielo: 0,30%
Totvs: – 0,37%
Assaí: -0.60%
Maiores baixas
Localiza: -7,36%
Inter: -5,99%
Vale: -5,89%
Locamérica: -5,85%%
Bradespar: -5,66%
Ibovespa: -3,08%, a 121.800 pontos
Em NY:
S&P 500: – 0,54%, aos 4.395 pontos
Nasdaq: – 0,71%, aos 14.672 pontos
Dow Jones: – 0,42%, aos 34.936 pontos
Dólar: 2,57%, a R$ 5,20
Petróleo
Brent: 0,41%, a US$ 75,41
WTI: 0,45%, a US$ 73,95
Minério de ferro: -7,39%, a US$ 181,57 a tonelada no porto de Qingdao (China)