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Vale a pena comprar ações do Bradesco (BBDC4)?

Ele é o mais popular entre os bancos privados, com 77 milhões de clientes. Só que foi pego no contrapé com a alta da inflação, dos juros e da inadimplência, e as ações afundaram quase 40%. O comando do Bradesco reagiu, e prometeu a volta da rentabilidade. É uma oportunidade para investir?

Por Tássia Kastner
Atualizado em 14 abr 2023, 11h23 - Publicado em 14 abr 2023, 06h23
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 (Maurino Borges/VOCÊ S/A)
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Ter ações de banco na carteira é o que de mais conservador existe quando o assunto é investimento na bolsa. Os gigantes brasileiros são conhecidos pela resiliência em crises econômicas e pela capacidade de continuar gerando lucros robustos, faça chuva, faça sol. O retorno sobre o patrimônio líquido médio há anos ronda os 20%. Isso significa que os bancões conseguem dobrar o patrimônio dos acionistas a cada cinco anos. Trata-se de uma taxa bem superior à média já generosa de instituições financeiras em outros países, ao redor dos 13%, e que ajudava a colocar nossos bancos na lista de investimentos defensivos.

Até que o Bradesco jogou essas certezas por terra. No quarto trimestre de 2022, dado mais recente, o banco entregou a seus acionistas uma rentabilidade sobre o patrimônio (ROE) de 3,9% – retorno tão minúsculo que não encontra paralelo em nossa história bancária recente. 

Tal desastre não aconteceu nem na pandemia nem na recessão de 2016. Tampouco se viu tal estrago na intervenção do governo Dilma na taxa de juros, em 2012, ou durante a crise financeira global de 2008.

No dia em que o banco divulgou seu balanço, a ação afundou 8%. E nem foi a pior queda. Em outubro do ano passado, quando saíram resultados igualmente decepcionantes – mas até então inesperados –, as ações levaram um tombo de 17%, o maior desde 1998. Do pico recente, atingido justamente naquele mês, a BBDC4 mergulha 38,5%.

O Bradesco não está isolado nessa queda: as ações do Itaú (ROE de 19% no 4T22) caíram 20% no mesmo período; as do Santander (ROE de 8%), 17%; Banco do Brasil (ROE de 23%), 13%.

Todos os bancos estavam sujeitos a problemas em comum, que passam pelo aumento da inflação no país, algo que compromete a capacidade de pagamento das dívidas das famílias. Todos também sofreram com o escândalo americano, e amargaram prejuízos bilionários em seus balanços. Isso sem falar em perdas de receitas ligadas a mudanças de comportamento dos clientes. 

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(Egberto Nogueira/VOCÊ S/A)
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Acontece que, ao longo das décadas, os bancos brasileiros desenvolveram cada um uma espécie de personalidade. Ainda que todos atuem em todos os segmentos de mercado e faixas de renda, o Itaú se tornou a personificação do banco de alta renda, o Banco do Brasil a do especializado em servidores públicos (por motivos óbvios) e o Santander a do lugar dos empreendedores e dos profissionais liberais. Já o Bradesco, fundado há 80 anos por bancários, sempre se posicionou como uma instituição de portas mais abertas ao trabalhador, à parcela da população com renda mais baixa.

Essa persona se traduz, claro, na estratégia de negócios: o banco da Cidade de Deus, Osasco, onde fica sua sede, tem 77 milhões de clientes – fica atrás dos 151 milhões de clientes da Caixa, mas à frente dos 66 milhões do Itaú. E chega presencialmente a regiões remotas e mais pobres do país, uma capilaridade que o banco defende como fortaleza, mas que, nesta crise, se transformou em uma vulnerabilidade.

De surpresa 

A disparada da inflação que surgiu como efeito colateral da pandemia pegou todo mundo de surpresa: das famílias, que empobreceram, aos bancos, que tinham se acostumado rapidamente com os juros magérrimos de 2% ao ano, passando pelos economistas e suas projeções otimistas demais para serem verdade. Quando 2021 começou, o Boletim Focus indicava que o IPCA terminaria aquele ano em 3,34%, isso enquanto a inflação já registrava 4,6% em 12 meses e desenhava uma clara curva ascendente.

O que se viu dali para frente foi uma disparada que fez o índice praticamente triplicar até o pico de 12,1%, em abril de 2022. Àquela altura, o Banco Central já tinha entrado em ação e subido a Selic, num esforço de conter a alta de preços. Virou uma combinação explosiva, agravada por uma característica peculiar da atual crise. 

Os preços que mais subiram foram os dos alimentos e o da energia. O problema: há um limite do quanto uma família consegue economizar com comida antes que isso signifique passar fome. E a alta nos preços da energia tem a faceta perversa de encarecer todos os outros produtos da economia, já que qualquer coisa precisa chegar movida a diesel até uma loja. 

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Se a inflação medida pelo IPCA superou os 10%, a de alimentos rompeu a casa dos 20%. E aí o Brasil ficou virtualmente dividido em dois: a fatia da população de renda maior e com poupança, portanto com mais capacidade de reacomodar os gastos quando a conta do supermercado sobe, e o grupo de pessoas que recorreu ao cartão de crédito para manter a geladeira cheia. No caso do Bradesco, o crédito concedido nos cartões saltou 28% entre dezembro de 2021 e de 2022. Na comparação com o fim de 2020, a alta foi de 66%. 

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(Egberto Nogueira/VOCÊ S/A)

Foi virando a bola de neve. Quanto mais as pessoas precisavam do cartão, porque estavam empobrecidas pela inflação, mais o BC ia subindo o juro para conter o aumento dos preços, piorando a situação das famílias. Para além do uso do cartão de crédito, se a conta básica de alimentação e moradia não fecha, é natural que as famílias escolham postergar o pagamento de qualquer empréstimo. 

O resultado, para o Bradesco, foi um salto na inadimplência que chega a 4,3% da carteira, o maior patamar desde 2017, acima da taxa média do sistema financeiro, que estava em 3% no final do ano.

Para coroar o cenário já complexo para crédito, veio o caso Americanas. O escândalo que revelou uma dívida de R$ 20 bilhões “escondida” no balanço mandou a varejista direto para a recuperação judicial, sem escalas. A dívida total superava os R$ 40 bilhões, e todos os bancões eram credores de um naco dessa bolada.

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O Bradesco lançou no seu balanço do quarto trimestre de 2022 a perda de 100% do que havia emprestado para a companhia, R$ 4,85 bilhões, um buraco que custou mais do que toda a bolada de R$ 4,3 bilhões que o banco lucrou com a operação de seguros. Para os acionistas, sobrou um lucro líquido de R$ 1,6 bilhão, queda de 76% na comparação com o mesmo período de 2021. 

Concorrentes sofreram danos de magnitude semelhante. O Itaú lançou perda de R$ 1,3 bilhão para a Americanas. O Santander, de R$ 1,1 bilhão. Ainda assim, o lucro do Itaú subiu na comparação anual; e o do banco espanhol caiu 56%, menos que o do Bradesco.  

Subitamente, estava claro para investidores e analistas de ações que o problema era realmente maior ali.

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(Arte/VOCÊ S/A)

Mea culpa 

“Talvez tenhamos concedido mais crédito do que deveríamos”, afirmou o presidente do Bradesco, Octavio de Lazari Júnior, em teleconferência logo após o anúncio do lucro diminuto. Era um mea culpa ao mercado.

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O diretor de relações com investidores, Carlos Firetti, conversou com a Você S/A um mês depois e colocou aquela declaração em perspectiva. 

“Nós fomos muito cobrados a reconhecer onde erramos. Mas é importante que a gente considere que estamos vivendo um ciclo único. Viemos de um momento em que o crédito e a inadimplência estavam em situação extremamente favorável, no pós-pandemia. Houve uma reversão, com inflação muito alta e juro muito alto, acima do que se esperava. Isso impactou todo mundo, mas não precisa nem dizer que impactou mais a média e baixa renda e seu equivalente nas pequenas empresas, o negócio familiar”, afirma.

O que, claro, coloca o Bradesco em uma encruzilhada, já que essa é sua principal linha de atuação: “O Bradesco é um banco que opera mais no segmento de baixa renda, e não vai mudar isso”, complementa Firetti.

O plano para voltar a entregar a rentabilidade generosa do passado já foi traçado. Envolve fechar a torneira do crédito, grosso modo, “massificado” – esse em que o cliente abre o app e contrata sem grandes necessidades de explicar por que precisa da grana. A ideia é que, sendo mais seletivo, o banco consiga reduzir a inadimplência e reerguer seus resultados.

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(Bloomberg/Getty Images)
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Ser seletivo tem uma faceta negativa. O Bradesco espera que sua carteira de crédito suba entre 6,5% e 9,5% em 2023, abaixo do crescimento registrado em 2022. Há, ainda assim, um avanço nas despesas para cobrir possíveis calotes, segundo as projeções anunciadas (o guidance). O que coloca analistas de ações em uma posição de cautela.

Segundo o próprio Bradesco, os lucros mais consistentes devem começar a voltar no segundo semestre. Ao fim do ano, o ROE deve retornar à faixa de 12% a 13%, ainda distante dos idílicos 20%.

“Talvez tenhamos concedido mais crédito do que deveríamos.”

Octavio de Lazari Júnior, presidente do banco

O Goldman Sachs estima que o ROE do Bradesco alcançará os 17% apenas em 2025, nessa que seria uma “longa estrada para a recuperação”. O banco rebaixou a recomendação para o papel para neutra (nem comprar, nem vender), com preço-alvo a R$ 14 – 9% acima da cotação do início de abril (R$ 12,80). O Itaú faz a mesma aposta.

O Credit Suisse foi mais duro: afirmou que o Bradesco enfrenta um “ambiente muito desafiador e com uma baixa rentabilidade persistente”. E acrescentou que, de acordo com o guidance, o banco terminará o ano com lucro líquido de R$ 20 bilhões. A bolada é menor que os já decepcionantes R$ 20,68 bilhões de 2022 e 20% inferior às estimativas que os analistas vinham traçando para o banco neste ano. O Credit tem recomendação de underperform (abaixo da média do mercado) e projeta um preço-alvo de R$ 16 ao fim do ano. XP e BTG Pactual estimam que o papel poderá voltar a R$ 18, uma alta de 37%. Ainda assim, as duas instituições financeiras também estão neutras na ação.

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(Arte/VOCÊ S/A)

O indicador mais simples para avaliar se um papel está caro ou barato é o P/L (a divisão do valor de mercado da companhia pelo lucro em 12 meses). O P/L do Bradesco está ao redor de 7, abaixo da média histórica de 10. Outro indicador que investidores levam em consideração é o P/B, a divisão do valor de mercado pelo patrimônio líquido da companhia (analistas chamam de book value, daí o B). Quando o P/B é igual a 1, significa que ação e empresa valem a mesma coisa, e isso é considerado, a depender do negócio, claro, uma ação barata. Afinal, você aposta que a companhia vai crescer ao comprar papéis.

E 1 é atualmente o P/B do Bradesco. Apesar disso, analistas do BTG seguem céticos: “Historicamente, esse patamar se provou um ótimo ponto de compra. Mas desta vez nós acreditamos que a ação pode ser negociada abaixo do valor do seu patrimônio por algum tempo”. A aposta é que o P/B cairá a 0,9 ao fim de 2023 e para 0,8 em 2024. Ou seja, eles acreditam que o papel ficará ainda mais barato.

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(Next/Reprodução)

Next

Enquanto o Bradesco ajusta o coração do negócio, o crédito, ele também segue o esforço de aperfeiçoar outras áreas da operação. Ele foi o primeiro banco a ter um computador no Brasil. Foi pioneiro em caixas eletrônicos e no uso de biometria no caixa. Trouxe o cartão de crédito para o país e implantou inteligência artificial no call center (apesar do início sofrível). 

Só que, quando os bancos e as contas de pagamento digitais gratuitas começaram a se proliferar, parecia que o Bradescão não era tech o suficiente para enfrentar essa nova concorrência. Como resposta, ele lançou o next em 2017, banco digital que alcançou 14,5 milhões de clientes ao fim do ano passado.

Numa série de apostas, o bancão também lançou sua conta de pagamentos, a Bitz, e decidiu comprar a outra metade do Digio, instituição que tinha em sociedade com o Banco do Brasil, e que foi usada para a emissão de um cartão de crédito que concorresse com o do Nubank lá no começo da onda fintech.

“O Bradesco é um banco que opera mais no segmento de baixa renda, e não vai mudar isso.”

Carlos Firetti, diretor de relações com investidor.

Um estudo feito pela Cadarn Consultoria em parceria com a idwall mostrou que existem 1 bilhão de contas abertas no país, para uma população de 210 milhões de habitantes. Para atrair clientes, as fintechs focaram em oferecer rentabilidade para o dinheiro depositado, algo que os bancos tradicionais não poderiam fazer sem afetar o resultado com o crédito. Foi, claro, fruto de uma “bolha” turbinada pelo período de juros baixos, que incentivava investidores estrangeiros a colocarem milhões em projetos de fintech que rodavam no prejuízo, na esperança de que se tornassem rentáveis. 

O próprio Bradesco planejou fazer um IPO do next, seguindo os passos do Nubank ou mesmo do Inter, numa aposta de que a vida do banco digital poderia ser independente e rentável fora do conglomerado. A queda de 50% no valor da ação do banco roxo, com o fechamento do mercado para novas ofertas, mudou o plano.

A guinada abrupta da economia, com o fim do dinheiro de graça, levou a uma mudança de rota. O Bradesco decidiu encerrar a Bitz e fundi-la ao Digio. O IPO do next foi engavetado. O que o bancão tem feito, agora, é aumentar o cross-selling das instituições, vendendo seguros no Digio e o crédito do Bradesco no next, por exemplo. A proximidade deve ajudar também na redução de custos.

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(Next/Reprodução)

Manter a operação em um conglomerado faz mais sentido quando o dinheiro fica mais caro e as receitas com tarifas, que sempre pagaram os custos da estrutura operacional de qualquer banco, minguam. O símbolo máximo não é nem a isenção de manutenção de conta, mas a morte das transferências DOC e TED após a chegada do Pix. O tombo foi tão grande que, para 2023, o Bradesco prevê que essa fonte de receitas subirá entre 2% e 6%, com potencial de não cobrir a inflação estimada de 5,75%. 

No fundo, a virada na economia que pegou o Bradesco no contrapé é o wake-up call do mercado financeiro para os exageros no mundo fintech. Resta saber se a arrumação que o Bradesco fará será suficiente para recolocá-lo em rota de crescimento.

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