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Apple: como a empresa chegou aos US$ 2 trilhões em valor de mercado, e o que ela está fazendo para se manter no topo

A empresa de Tim Cook segue ganhando terreno. Fez sua participação no mercado de smartphones saltar para 26%, e, com uma linha revolucionária de novos Macs, parece pronta para mudar o mundo. De novo.

Por Alexandre Versignassi | Design: Laís Zanocco e Tiago Araújo
Atualizado em 11 mar 2021, 12h00 - Publicado em 8 fev 2021, 22h13
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O Apple Park, sede da empresa, em Cupertino, Califórnia: área equivalente à de 70 campos de futebol, e 260 mil metros quadrados de área construída. (Don Arnold/Getty Images)

Steve Jobs tinha 12 anos e um problema: queria montar um frequencímetro – aparelho essencial quando você precisa construir seu próprio circuito em casa. O menino não tinha todas as peças que precisava. Então, numa tarde de 1967, decidiu telefonar para alguém que certamente teria: Bill Hewlett, dono da HP. Era a maior empresa da região onde Jobs morava – um lugar nos arredores de San Francisco que acabaria conhecido como Vale do Silício.

Jobs pegou a lista telefônica, encontrou um “William Hewlett” ali e ligou. O fundador da HP e o pré-adolescente conversaram por 20 minutos. Jobs conseguiu o que precisava para montar seu frequencímetro. E Bill Hewlett mostrou que sabia reconhecer talentos: ofereceu a Jobs um estágio na HP (um summer job, na verdade, daqueles que os estudantes americanos fazem nas férias).

“Trabalhei numa linha de montagem colocando porcas e parafusos em frequencímetros”, Jobs diria numa entrevista décadas depois. “Era o paraíso.”

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Apple Watch Série 6: acessórios respondem por pouco mais de 10% do faturamento da empresa. O iPhone, por 60%. (Tomohiro Ohsumi/Getty Images)

Em 1971, aos 16, Jobs conheceu outro fanático por eletrônica: Steve Wozniak, um estudante de engenharia cinco anos mais velho. Woz tinha criado um aparelho que enganava os sistemas das companhias telefônicas e permitia fazer ligações internacionais de graça (algo que valia ouro nos anos 1970).

Não se tratava de uma invenção. Hackers da época já tinham desenvolvido outros modelos antes. Mas Woz fez o seu do zero. Jobs achou que havia um bom negócio ali e passou a vender os aparelhos por encomenda. Era a primeira startup, digamos assim, da dupla. Só não tinha CNPJ, já que o produto deles era absolutamente ilegal – um cliente chegou a ser preso enquanto usava um num telefone público, mas se recusou a dizer com quem tinha comprado.

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A segunda startup viria em 1976. Eles tinham conhecido o primeiro computador pessoal da história, o Altair 8800 – antes, o que havia eram mainframes, máquinas nada pessoais, que ocupavam uma sala inteira. Jobs viu que tinha negócio ali também. Então chamou Woz para montar outra empresa, agora dedicada a montar computadores.

O nome apareceria na cabeça de Jobs depois de uma visita a uma comunidade hippie que mantinha um belo pomar de maçãs: Apple. “Um nome enérgico, mas que não soa intimidador”, ele diria depois.

Para formar o capital inicial, Steve vendeu sua Kombi 1964 por US$ 750; Woz, sua calculadora científica HP, por US$ 500. Esses US$ 1.350 de 1976 equivalem a US$ 6 mil de agora. Daria para dizer que, hoje, a Apple fatura isso, tipo, a cada segundo, não? Não. A receita da Apple é de quase US$ 860 mil por segundo, de acordo com o último balanço trimestral, que registrou a entrada de US$ 111,4 bilhões – a maior da história da empresa.

US$ 63,9 bilhões de lucro em 2020

Até há quem fature mais do que a Apple. O Walmart, líder nesse quesito, fez US$ 134 bilhões no terceiro trimestre de 2020 (o do balanço mais recente até o fechamento desta edição). O lucro para valer, porém, foi de US$ 5,1 bilhões. Dá uma margem de 3,8%. A da Apple é de 25%. A da Samsung, para fazer uma comparação dentro do mesmo setor, é de 15%. Mais: o lucro no último trimestre de 2020 não foi só o maior da história da empresa, mas o maior de uma empresa na história da humanidade: US$ 28 bilhões.

Contando 2020 inteiro, a Apple lucrou US$ 63,9 bi. É o dobro da Samsung, sua maior concorrente no mercado de smartphones.

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Um mercado que ela inventou, mas na qual teve de penar. O iPhone original chegou ao mercado em 2007. Dois anos depois, chegaria o primeiro Samsung com Android, o sistema operacional que o Google desenvolveu para tentar quebrar as pernas da Apple. Mais baratos, os Androids foram tirando mercado da Apple – com a Samsung sempre na linha de frente. Quando Steve Jobs morreu, vítima de câncer no pâncreas, em 2011, a Apple tinha só 4% do mercado global de smartphones.

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Tim Cook, o sucessor de Steve, mudaria esse cenário. Jobs era obcecado pela ideia de que só deveria haver um tipo de iPhone à venda no mercado a cada geração do aparelho. E que esse fosse o melhor celular do mundo. Ponto. Só a quantidade de memória poderia variar. Cook entendeu que não. Que, se a Apple quisesse ganhar mercado, deveria seguir a concorrência e oferecer modelos mais baratos.

E foi o que ele fez.

Em 2013, lançou dois iPhones ao mesmo tempo, o 5S e o 5C, mais em conta. Depois, passou a manter modelos dos anos anteriores na linha de montagem, para completar o cardápio de iPhones mais baratos. Hoje, a Apple fabrica sete iPhones diferentes ao mesmo tempo: 12, 12 Pro, 12 Pro Max, 12 Mini, 11, XR e SE.

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Outra sacada foi agir na ponta oposta do espectro de consumo, e lançar também modelos estupidamente caros. O primeiro iPhone custava a partir de US$ 500. Dá US$ 645 em dólares de hoje. Bom, o iPhone mais em conta hoje é 40% mais barato. É o SE de 64 GB, à venda por US$ 400. Já o mais caro, o Pro Max 512 GB, custa US$ 1.400. Fazendo a conta inversa da inflação, seria como lançar em 2007 um iPhone de US$ 1.120, contra os US$ 500 do modelo que realmente saiu.

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iPhone 12 Pro, que chega a custar US$ 1.400 lá fora. O iPhone original, de 2007, saía por US$ 500 (US$ 645 em valores de hoje). Você pode reclamar, mas a estratégia funcionou. (Don Arnold/Getty Images)

Eu posso ter uma opinião sobre a política de preços da Apple. Você também. Mas, pelo jeito, quem está certo é Tim Cook. Os iPhones mais caros garantem a resplandecente margem de 25%. Os mais baratos aumentam a fatia de mercado.

E hoje um em cada quatro celulares ativos no mundo é da empresa que começou com uma Kombi e uma calculadora. Sim, a fatia de mercado da Apple é hoje tão grande quanto sua margem de lucro. Jackpot.

Há 3,8 bilhões de celulares em uso no mundo neste momento, de acordo com o site Statista. Desses, 1 bilhão são iPhones – a Apple usa como critério o número de aparelhos que acessaram algum serviço da Apple, como a nuvem da empresa, nos últimos 90 dias. E divulgou em janeiro ter ultrapassado pela primeira vez a marca de 1 bilhão de celulares em operação. A Samsung não passou essa informação relativa aos últimos meses, mas estima-se que tenha um pouco mais. A Apple, porém, é quem tem ganhado terreno com mais velocidade. Graças a tudo isso, ela se tornou a empresa mais valiosa da história no ano passado.

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O preço somado de todas as ações da companhia (ou seja, seu valor de mercado) era de US$ 2,29 trilhões no início de fevereiro. Para ter uma ideia do que isso significa: o valor de mercado da Vale é de US$ 89 bilhões; o da Petrobras, US$ 71 bilhões; o do Itaú, US$ 48 bilhões. Essas são as três maiores empresas da bolsa brasileira. Juntas, valem US$ 205 bilhões. Ou seja: só os US$ 229 bi que a Apple ostenta além dos US$ 2 trilhões já abriga com folga o trio de ferro da B3.

Cada 1% que a Apple sobe, com o valor de mercado nesse patamar, equivale a um adendo de US$ 22 bilhões nesse valor de mercado. Um Banco do Brasil, basicamente. Qualquer subida de 1% também engorda o patrimônio de Warren Buffet em US$ 1,2 milhão, já que sua companhia de investimentos é uma das controladoras da Apple, com 5,7% das ações – o que significa uma carteira de US$ 130 bilhões, pelos valores de hoje.

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Em meados dos anos 1980, depois de ter vendido partes da Apple a diversos investidores para capitalizar o negócio, Steve ainda era dono de 20% das ações da companhia. Isso daria US$ 460 bilhões hoje, e tornaria Jobs, caso estivesse vivo, a pessoa mais rica do mundo, léguas à frente do atual detentor do título, Elon Musk, com seus parcos (mais aspas, por favor) US$ 185 bilhões.

Jobs, porém, largou a Apple em 1985, depois de uma briga com os demais acionistas, e vendeu todas as ações que tinha, numa época em que elas não valiam um trisco do que passariam a valer. Os 0,9% que ele deixou de herança correspondem aos 154 milhões de ações que ele foi ganhando a título de bônus depois de retornar à Apple, como CEO, em 1997.  Nos 14 anos com Jobs à frente, o valor de mercado da empresa cresceu 100 vezes. Cada US$ 1.000 em ações da Apple virou US$ 100 mil.

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A partir de 2011, com Tim Cook à frente e já num patamar colossal, o valor ainda se multiplicaria por dez, o bastante para transformar aqueles US$ 1 mil lá de trás em US$ 1 milhão. Quem comprou Apple em 1997 e guardou, então, está com a aposentadoria garantida.

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(Arte/VOCÊ S/A)

A volta por cima do Mac

O iPhone é responsável por 60% da receita da Apple. O resto fica dividido em serviços (iCloud, Apple Music), acessórios (relógio, fone sem fio, caixinha de som), iPad e, dividindo a rabeira com o tablet, a coisa que deu origem a tudo: os Macs. Os desktops e notebooks da Apple hoje respondem por meros 8% do faturamento bruto.

Mais: enquanto a companhia tem 26% do mercado de smartphones, sua participação no de computadores é de menos de 10%. Mas pode estar vindo uma reviravolta aí. Porque a inovação mais radical da Apple nos últimos tempos não veio do mundo dos iPhones ou dos serviços, mas no dos Macs, que acabam de dar um salto em relação à concorrência. O novos Macbook Air e o Macbook Pro, que saíram no final de 2020, agora usam um chip revolucionário: o M1.

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MacBook Air, o MacBook Pro e o Mac mini – os produtos que receberam o chip M1. (Apple/Divulgação)

É a primeira vez que a Apple desenvolve um processador para seus computadores. Antes, todos os Macs usavam chips da Intel. A Apple só fabricava os processadores dos iPhones e dos iPads – mais simples que os das máquinas dedicadas a rodar softwares pesados. É aí que a Apple deu seu pulo do gato.

O M1 é uma espécie de chip híbrido. Dá conta de programas de edição de vídeo e de games com pelo menos a mesma robustez dos processadores da Intel que equipavam as versões anteriores, mas gasta bem menos energia. Enquanto a bateria do Macbook Air antigo aguentava 12 horas, a nova suporta 18 horas. No Macbook Pro, um pouco maior, 20 horas.

Mais: dá para usá-los como se fossem smartphones. O jornalista Bruno Garattoni, editor da Superinteressante, que testou a nova linha de notebooks para a edição de fevereiro da revista, explica: “Quando você fecha o laptop, o M1 ‘dorme’ e entra num modo de consumo ultrabaixo: nos testes, ele só gastou 1% a 2% da bateria durante a noite. Na prática, você não precisa mais ligar e desligar o laptop. Pode deixá-lo ligado o tempo todo, com o sistema e os programas carregados, e simplesmente abrir ou fechar a tela. Como se fosse um smartphone.”

O teste inteiro lá da Super você lê aqui. Mas segue um spoiler da conclusão: “É uma mudança profunda, que transforma a relação com o computador.”.

Transformador mesmo, porém, é um projeto em que a Apple trabalha desde 2014: um carro elétrico. A empresa não fala sobre o assunto, mas sabe-se que ela mantém uma divisão chamada Project Titan, com 5 mil funcionários trabalhando no desenvolvimento de sistemas de direção autônoma – sim, a ideia é que o carro dispense motorista (e normal: os da Tesla já chegam perto disso). Neste ano, aliás, a Apple contratou Manfred Harrer, que era VP de Desenvolvimento de Chassis na Porsche. Indício de que o iCar deve sair mesmo. E de que a empresa, aos 45 anos de idade, segue com espírito de startup.

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