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Anti-ESG ganha força nos EUA e ameaça agenda sustentável de fundos

ESG já se tornou uma sigla polêmica em Wall Street. Gestoras de investimento têm se afastado do tema para evitar retaliações, à medida que alguns estados aprovam leis que dificultam estratégias de investimento sustentável. Na bolsa, o movimento chegou no formato de fundos anti-ESG, que investem em petróleo, cigarro e armas. Entenda este fenômeno.

Por Camila Barros | Ilustração: Carol D’ávila | Design: Kauan Machado | Edição: Alexandre Versignassi
Atualizado em 11 ago 2023, 09h18 - Publicado em 11 ago 2023, 06h22
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 (Carol D'Ávilla/VOCÊ S/A)
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“Uma empresa não consegue obter lucros de longo prazo sem adotar um propósito”, disse Larry Fink, diretor-executivo da BlackRock, em sua Carta Anual aos CEOs de 2020. Naquele ano, a maior gestora de investimentos do mundo decidiu que sua raison d’être seria ajudar no combate às mudanças climáticas. 

Fink anunciou que criaria versões sustentáveis de seus principais portfólios, e que passaria a adotar critérios ambientais e sociais na hora de decidir em quais empresas investir. Divulgada ao lado da mensagem aos CEOs, a Carta aos Clientes de 2020 mencionava a sigla “ESG” 26 vezes. 

Um sinal dos tempos: naquela época, pipocavam projetos para mobilizar empresas e instituições financeiras a considerarem seriamente assuntos de sustentabilidade, sociedade e governança em suas decisões – as três palavras por trás da sigla. 

Uma das iniciativas foi o Net Zero Asset Managers, um acordo entre 315 fundos de investimento que, ao todo, administram US$ 59 trilhões em ativos. A ideia era, e ainda é, colaborar com a meta de tornar o planeta carbono neutro até 2050. Na lista de signatários, algumas das maiores gestoras do mundo: BlackRock, Fidelity, JP Morgan. 

Com fundos enormes na jogada, o ESG se tornou grande demais para ser ignorado. Afinal, essas gestoras têm participações relevantes em milhares de empresas, com influência pesada na administração de várias delas. A BlackRock, por exemplo, é dona de 6,3% da Apple, 7,1% da Microsoft e 5,8% do Google – as três companhias mais valiosas dos EUA.

A onda ESG, então, tomou conta dos mercados (e das manchetes) como nunca. O sentimento era de que começava uma revolução verde bem no coração de Wall Street.

Mas o entusiasmo durou pouco. Agora, esse tem se tornado um assunto espinhoso por lá.

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Até então a principal face do ESG no mercado financeiro, Larry Fink disse em junho que não mencionaria mais a sigla em público, por acreditar que ela “politizou-se” demais, aumentando a polarização entre conservadores e progressistas. 

Ele também afirmou que a BlackRock deve continuar seguindo suas metas e princípios de sustentabilidade, mas o distanciamento em relação à sigla antes tão badalada já vem de meses: na Carta aos Investidores do começo deste ano, zero menções ao ESG. 

E o buraco é mais embaixo. Segundo um levantamento do HSBC, os fundos de investimento americanos em geral estão menos engajados no assunto. O banco entrevistou funcionários de 292 gestoras ao redor do mundo entre maio e junho deste ano. Neste período, menos de 25% dos entrevistados nos EUA afirmaram que sustentabilidade é prioridade em seus investimentos – no ano passado, eram 37%. 

Mais: 44% disseram que, nos últimos doze meses, passaram a ver menos razões para adotar uma estratégia ESG em suas aplicações. 

O pé atrás dos EUA aparece em dados mais concretos também. Contando o último trimestre de 2022 e o primeiro de 2023, os fundos ESG americanos registraram uma saída de mais de US$ 10 bilhões, segundo a consultoria de dados financeiros Morningstar. No mesmo período, os fundos em geral atraíram R$ 20 bilhões. 

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Ao que parece, um crescente sentimento anti-ESG tem mesmo desafiado a virada verde de Wall Street. Vamos entender os motivos. 

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(Carol D'Ávilla/VOCÊ S/A)

“Capitalismo woke”

Em abril, a Bud Light (da AB InBev) lançou uma peça publicitária com a influenciadora transgênero Dylan Mulvaney. 

O vídeo revoltou uma parcela dos conservadores norte-americanos. Eles se mobilizaram em um boicote à cerveja, até então a mais popular no país. A queda foi quase instantânea: em maio, a marca perdeu o primeiro lugar em vendas; em junho, registrou baixa de 28%. Como consequência do fiasco, a empresa demitiu dois executivos do marketing responsáveis pela propaganda. 

O caso se tornou emblemático para ilustrar o movimento de conservadores americanos contra o que chamam de “agenda woke” nas empresas: pautas ambientais, raciais e de gênero

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A BlackRock afirma ter perdido US$ 4 bilhões devido à pressão republicana.

No legislativo e no executivo, o movimento é capitaneado por políticos do Partido Republicano, que têm conseguido sancionar leis que dificultam a implementação de regras ESG no mercado. O principal alvo: fundos de investimentos.

O argumento é que essas instituições estariam se utilizando de seu poder econômico para implementar uma agenda política. Também que, ao assinar acordos ambientais, os fundos formariam um “cartel” que prejudica empresas de alguns setores – coisa que feriria as leis antitruste do país.

A indústria do petróleo é um ponto-chave aqui: segundo o argumento, metas de descarbonização afetariam o desempenho das empresas do ramo, e, consequentemente, lesariam a economia dos estados que vivem da extração da commodity. Dos 50 estados americanos, 15 já aprovaram leis para frear o que chamam de “boicote ESG” – e pelo menos mais 12 têm planos de fazer o mesmo, de acordo com a Bloomberg.

Em Oklahoma, por exemplo, o legislativo aprovou uma lista de 13 instituições que podem ser proibidas de fazer negócios com fundos de pensão do estado. Entre elas, BlackRock e outros gigantes, como Wells Fargo e Bank of America. 

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Em janeiro deste ano, Fink afirmou que a BlackRock perdeu US$ 4 bilhões com a represália. O valor é só uma lasquinha dos US$ 9 trilhões em ativos administrados pela empresa – mas, ainda assim, demonstra que a pressão política tem criado consequências econômicas para as companhias. 

A pressão está fazendo instituições financeiras recuarem em suas metas ESG – ou, pelo menos, falarem menos sobre elas. Em dezembro de 2022, a Vanguard (segunda maior gestora dos EUA) anunciou sua saída do Net Zero Asset Managers. Segundo ela, o objetivo da ruptura era “deixar claro [aos clientes] que a Vanguard atua de forma independente”.

Valor vs. propósito

Outro argumento contra a adoção de políticas ESG é o de que a função das gestoras de investimentos deve ser gerar retornos aos clientes – e só. 

Trata-se de um debate centenário por lá, na verdade: em 1919, Henry Ford e os irmãos Dodge (fundadores da montadora homônima) protagonizaram o primeiro julgamento a esse respeito. A dupla, acionista minoritária da Ford, acusava seu presidente e proprietário de negligenciar a remuneração dos investidores. Ford vinha cortando o preço de seus veículos e aumentando o salário de seus funcionários, o que reduzia os dividendos aos acionistas. 

O tribunal deu a vitória aos Dodge, e a Ford foi obrigada a pagar dividendos extras. O caso costuma ser utilizado para exemplificar um modelo de governança conhecido como shareholder primacy, que prega que os interesses dos acionistas devem ser a prioridade de uma empresa. A ideia foi cunhada pelo economista Milton Friedman – ele afirmava que a única função social de um negócio é gerar lucro.

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Já a filosofia ESG adota outro princípio, o do capitalismo stakeholder, a noção de que uma empresa deve seguir os interesses de todas as partes envolvidas no negócio – investidores, empregados, clientes e, por extensão, a sociedade como um todo. 

Na versão contemporânea de Ford vs. Dodge, alguns investidores e legisladores argumentam que as gestoras de fundos não devem escolher ativos que reduzam os lucros dos acionistas em nome de uma pauta social ou ambiental.

Tipo: fundos ESG costumam deixar papéis de petroleiras de fora da carteira. No ano passado, a guerra da Ucrânia desestabilizou o mercado de petróleo e elevou o preço do barril à máxima em 14 anos. As ações das petroleiras acompanharam a alta – mas os fundos ESG, naturalmente, não surfaram no desempenho. 

Ao mesmo tempo, o setor de tecnologia é queridinho da categoria, já que não traz ameaças diretas ao meio ambiente. No ano passado, com a elevação das taxas juros e o medo de recessão que pairava no ar, as ações deles definharam.

Daí o argumento de que gestores não devem levar em conta fatores que não sejam estritamente financeiros. Em março deste ano, o estado do Kentucky aprovou uma lei que proíbe o sistema de aposentadoria do estado de considerar fatores ESG na hora de decidir suas aplicações.

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(Carol D'Ávilla/VOCÊ S/A)

Fundos anti-ESG

Na bolsa, essa onda do contra chegou na forma de fundos temáticos: os anti-ESG, que investem em setores excluídos dos fundos sustentáveis. 

Um estudo da Morningstar conta 27 do tipo nos EUA. O fenômeno é recente: 21 deles foram criados nos últimos dois anos. Eles movimentaram US$ 2,1 bilhões em março (últimos dados disponíveis). É um grão de areia comparado às dezenas de trilhões dos fundos signatários do Net Zero Asset Managers, por exemplo. Ainda assim, não deixa de chamar a atenção. 

A pesquisa os divide em cinco grupos. Tem os “anti-ESG”, que investem em empresas que consideram injustamente prejudicadas pelos critérios de investimento sustentável. É o caso do Orphans ETF, criado em maio do ano passado. Sua carteira é composta por nomes como a produtora de tabaco Philip Morris, a petroleira Exxon Mobil e a fabricante aeronáutica Boeing. No ano, vale notar, ele apresenta queda de 7%.  

Tem também os fundos “políticos”, que aplicam em companhias que demonstram apoio a valores conservadores. Criado em 2017, o ETF MAGA (do slogan eleitoral de Donald Trump “Make America Great Again”) é o pioneiro. Ele não olha para o que cada empresa produz. O ponto ali é só investir em companhias que, de acordo com os gestores, “suportam fortemente os republicanos”. Na carteira, entre as companhias mais conhecidas, estão a Fedex e a Domino’s Pizza. Este ano, ele registra alta de 7%. 

 

Já a categoria “vício” investe em ações de setores descaradamente polêmicos: indústria de armas, jogos de azar, bebidas alcoólicas e, claro, cigarros. Um exemplo é o B.A.D. ETF, fundado em dezembro de 2021. Seu maior foco é nas produtoras de bebidas, com ações da Ambev na carteira.

Nos últimos dois anos surgiram 21 fundos “anti-ESG” nos EUA.

Por último, vêm os “renunciantes”, que abandonaram o uso do termo ESG por medo de retaliação, e os “votantes”, fundos com ativos tradicionais, mas comprometidos a votar contra medidas ESG nas empresas em que têm influência. 

A Morningstar aponta que os depósitos em fundos anti-ESG têm perdido força. O pico foi no terceiro trimestre de 2022, quando a categoria registrou entrada de US$ 377 milhões. Nos trimestres seguintes, novos depósitos caíram para US$ 188 milhões e US$ 183 milhões. 

No resto do mundo, regulação

Temporário ou não, este parece ser um movimento concentrado nos EUA. Os condutores daquela pesquisa do HSBC sobre o interesse em ESG disseram não observar um crescimento do sentimento anti-ESG fora das 13 colônias.

Na Europa, para comparar, houve entrada de US$ 20 bi nos fundos ESG ao longo de 2022, por exemplo, versus US$ 19 bilhões nos fundos convencionais. 

A tendência no resto do mundo, Brasil incluído, tem sido promover regulações mais firmes sobre aquilo que pode ser considerado ESG. A ideia é barrar o greenwashing – quando uma empresa ou fundo se utiliza do discurso sustentável para favorecer sua imagem, mas não adota práticas sustentáveis. 

André Camargo, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, explica que o mercado tem passado por três ondas de regulação. A primeira diz respeito à nomenclatura dos fundos de investimento. O objetivo é evitar que as instituições usem palavras como “ESG”, “verde” ou “sustentável” indiscriminadamente.

No Brasil, a CVM aprovou em dezembro do ano passado uma resolução que define critérios para nomear fundos ESG. Agora, as instituições devem explicar como sua política de investimento causa benefícios ambientais, sociais ou de governança, além de indicar a metodologia por trás da qualificação do fundo. 

Fora dos EUA, a tendência tem sido promover regulações mais firmes sobre o que pode ser considerado ESG.

A segunda onda tem a ver com o compartilhamento de informações. Ou seja, fazer com que companhias e instituições financeiras tornem públicos dados sobre suas políticas ESG. 

Colocada em vigor este ano, outra resolução da CVM torna obrigatório que empresas de capital aberto justifiquem suas métricas ESG, além de publicar os dados na internet. 

O terceiro movimento aprofunda a divulgação das métricas, integrando-as aos resultados financeiros da companhia. Essa ainda não chegou no Brasil, mas avança lá fora: em janeiro, a União Europeia, maior mercado ESG do mundo, promulgou uma lei que obriga grandes empresas a apresentar relatórios de sustentabilidade. E os documentos deverão ser verificados por auditorias independentes. 

Sinal de que, apesar dos percalços no caminho, a agenda ESG tem se consolidado. 

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