Um estudo da ONU feito em 2023 perguntou para 400 mil entrevistados, de 170 países: “Você acha que homens são mais qualificados do que mulheres para cargos de liderança política?” Num mundo ideal, sem viés de gênero, 100% das respostas seriam “não; tanto faz”. Mas o resultado foi bem diferente. 49% dos entrevistados e entrevistadas disseram que “sim, homens são melhores nessa área”. E 43% pensam que os rapazes se saem melhor como executivos de empresas.
Eram sete perguntas que avaliavam a opinião dos respondentes sobre as mulheres em quatro esferas: política, educação, economia e integridade física. O estudo conclui que boa parte das pessoas ainda tem um viés de gênero. É o caso, por exemplo, de assumir que as mulheres são naturalmente mais emocionais do que racionais (e, portanto, menos aptas a cargos de liderança).
Esse tipo de crença, claro, tem consequências práticas. Ao redor do mundo, apenas 11% dos chefes de Estado são mulheres. Na iniciativa privada, elas ocupam 28% dos cargos de liderança.
Para Samara Bay, uma preparadora de voz de Hollywood, a melhor maneira de corrigir esse tipo de assimetria é ensinando as mulheres a falar de forma mais assertiva. Assim, elas ganham poder de persuasão e se posicionam em ambientes nos quais não costumam ser ouvidas. O mesmo serve para outros grupos que sofrem algum tipo de preconceito, como negros e PCDs.
Em Permissão para Falar, Bay dá dicas de como se expressar para ser ouvida. No capítulo que reproduzimos a seguir, ela explica como ajustar o tom de voz para soar mais convincente. E ajuda a elucidar um dilema comum: como falar de forma incisiva e, ao mesmo tempo, cordial.
Capítulo 5 – Tom
No início da quarentena, nossa cachorrinha Moxie se tornou de repente a única companhia do meu filho. Aquela criança muito agitada de quatro anos estava sempre tentando pegar a cachorra, fazê-la se mover e se sentar, choramingando “Vaaaaaaaamos” ou empurrando-a. Foi complicado.
Um dia, quando Moxie estava começando a ficar particularmente descontente com as investidas dele, eu disse (…): “Meu amor, você não pode controlar os outros. Você só pode convencê-los”. Ele olhou para mim com os olhos brilhantes e, usando sua voz mais determinada, disse, com otimismo: “Moxie… senta!”. E ela se sentou. Lembrei-me de todas as vezes que eu disse ao meu filho para usar sua “voz firme” quando ele ficava choramingando comigo. Mas a cachorra ensinou a ele a lição melhor do que eu: o tom de voz é importante.
Não podemos controlar os outros, mas podemos controlar nosso tom de voz para convencê-los. (…) O tom é a maneira como soamos quando dizemos algo — convidativo, firme, divertido, insatisfeito, animado, desdenhoso. Nietzsche disse: “Muitas vezes, nós nos recusamos a aceitar uma ideia simplesmente porque o tom de voz em que ela foi expressa não nos é agradável”, e Moxie provou o ponto dele.
(…)
Minhas clientes me disseram que já foram chamadas de buldogues, raivosas, megeras, insistentes, agressivas, defensivas e difíceis (…). Esses insultos são disparados quando uma mulher em qualquer setor tenta defender a si mesma ou suas ideias, (…) quando abre suas asas de líder ou tenta encontrar sua voz firme.
É o famoso double bind, o duplo vínculo, a tensão de duas demandas aparentemente irreconciliáveis: ter autoridade o suficiente para ser levada a sério e simpática o bastante para ser mantida por perto. (…)
O duplo vínculo tem a ver com o tom. (…)
E “tom” é a palavra que usamos para descrever as pequenas mudanças de tonalidade e sentimento que damos às palavras ou às frases toda vez que falamos. Pense em tocar o instrumento que é sua voz: o tom não é a altura (notas para cima e para baixo na escala), mas a sensação das próprias notas (ricas, finas, ofegantes, cansadas, energizadas, divertidas, diretas). Não é o volume ou o ritmo, mas a essência do que você está dizendo, o que pode fazer você falar mais alto e mais rápido, ou sussurrar e ir mais devagar para criar um suspense. (…)
O tom é uma forma de dizer sem dizer. Ou, na verdade, de dizer além de dizer.
(…)
O segredo é pensar no seu tom de voz em relação à firmeza e à cordialidade. Imagine dois indicadores separados. O indicador de firmeza mede o quanto podemos mostrar competência, de alguém que detém poder para alguém que não tem nenhum, ou de alguém altamente habilidoso a alguém do tipo não-tenho-ideia-do-que-estou-fazendo. O indicador de cordialidade mede o quanto somos atenciosos, da gentileza à frieza. Pense na Oprah — se os indicadores fossem de um a dez, onde você a situaria? Pense na última pessoa com quem você falou — como seriam esses indicadores?
Analisamos as pessoas e somos analisados por elas o tempo todo, todos os dias, com base nessas métricas, embora isso não aconteça necessariamente de modo consciente. (…)
Para convencer os outros, ajuda saber como cada um de nós se sai. A má notícia (…) é que nossa aparência referente a gênero, raça, idade, orientação sexual, altura, sotaque, capacidade física ou cognitiva e status socioeconômico são fatores que influenciam a forma como somos percebidos.
Compelling People (“Pessoas Arrebatadoras”), livro de 2014 de John Neffinger e Matthew Kohut sobre a interação firmeza-cordialidade, compartilha uma miríade de estudos sobre os preconceitos que nos atraem ou nos repelem.
São coisas inquietantes, como o fato de que um número desproporcional de homens negros que dirigem as 500 empresas da Fortune têm rosto redondo e feições suaves – o que transmite cordialidade, já que presumivelmente um rosto de bebê “suaviza a aparência e evita que sejam percebidos como ameaçadores”. Ou indícios de discriminação na contratação de pessoas que não são magras, porque elas são percebidas como preguiçosas ou sem força de vontade, o que transmite a ideia de fraqueza e incompetência.
Não podemos mudar facilmente nossos traços de identificação (e não queremos), também não podemos confiar que outras pessoas abandonem seus preconceitos arraigados (embora a esperança seja eterna). Mas o que podemos mudar é o nosso tom. (…)
Podemos ter um controle incrível sobre o modo como somos percebidos e desfazer o caos de preconceitos ao aumentar nossa firmeza, nossa cordialidade ou ambas.
A conclusão da pesquisa encontrada em Compelling People é que, para as mulheres especificamente, potência sem cordialidade é uma combinação perigosa. (…) Mas o oposto também está fadado ao fracasso. Se parecemos cordiais, mas não potentes, somos vistas como adoráveis, doces, gentis. O que pode ser mais eficaz do que parecer desagradável, mas não ajuda em nada se o que realmente queremos é ser respeitadas como uma voz de autoridade.
A solução é aquela que Oprah encontrou e está disponível para todas nós: equilibrar os indicadores. Quanto mais potentes queremos parecer ou quanto mais potentes naturalmente transparecemos ser, mais calorosas devemos ser para corresponder à nossa potência. E vice-versa.
Isso significa que devemos aumentar a cota de carisma e sorrisos? Que, para calar aquele homem que quer nos explicar tudo, o segredo é ser doce e querida? Bem, não. Por um lado, ninguém quer ouvir “sorria mais” (estou falando com vocês, coaches de liderança das antigas). Isso nunca produz um sorriso genuíno e só gera ressentimento. Além disso, igualar cordialidade com sorrisos anula o sentido de tudo. Cordialidade não é sorrir por fora; é a alegria interior.
(…)
O objetivo de ser mais cordial, seja em uma única troca ou como uma abordagem completa do trabalho e da vida, não é jogar de má vontade o jogo da sociedade patriarcal (embora esse seja um benefício colateral). O objetivo é viver mais de acordo com nossos valores. É usar bem qualquer poder que possamos ter.
Para aumentar nossa potência, precisamos ter confiança (…). Mas ser mais cordial não é apenas tornar nossa potência mais palatável; a cordialidade é uma questão de amor.
(…)
Eis uma aplicação prática: para ser radicalmente mais cordial no palco ou na reunião do Zoom, lembre-se das coisas com as quais você realmente se importa — o que deixa você animada e faz seus olhos brilharem — e conecte o que você está falando a isso todas as vezes.
Minha amiga Alexis odiava jogar papo fora porque as pessoas sempre perguntavam sobre sua profissão, e ela tem um trabalho difícil de explicar (…). Presenciei isso: aquela mulher talentosa e hilária de repente começava a balbuciar, toda desajeitada, rodeada de desconhecidos, evitando contato visual. Quando Alexis veio até mim para superar esse bloqueio, sugeri que ela parasse de se preocupar com o quê e chegasse o mais rápido possível ao porquê. Em outras palavras: se alguém perguntar, não fale sobre o que você faz, fale sobre o que você ama no que faz.
E não quero que você fique boa nisso apenas para seu próprio bem. Você está cultivando sua cordialidade por mim e por todas nós. Acredito que cada chance que temos de falar em público — em uma sala de duas ou 2 mil pessoas — é um ato de liderança.
Mesmo quando se está respondendo à pergunta “O que você faz?” em uma festa. Ou fazendo uma pergunta em uma conferência. Ou pedindo aumento. Esses atos servem a outras pessoas: a todas que vão se beneficiar diretamente se você receber um “sim” e a todas que vierem depois de você. Eles servem às pessoas que precisam ouvir novas vozes para usar a delas próprias na próxima vez. (…)
Enquanto eu escrevia este livro, alguém que conheço disse que eu deveria pensar nele como um convite para o futuro, para o modo como eu vejo o futuro. Convido você a pensar em falar e compartilhar suas ideias como um convite para o futuro também, e a considerar o tipo de líder de que esse futuro precisa.
Não importa sua posição – mesmo que você seja a pessoa mais jovem e menos experiente do local – quando estiver falando, o momento é seu. E o poder que exerce no momento é algo que você decide como usar. Ser mais cordial — falar com amor e cuidado mesmo quando é difícil — é algo muito maior do que apenas manipular seu tom de voz para conseguir o que deseja.
É a busca por justiça social, é um ato político, um ato de transformar o mundo ao redefinir o que é poder.
Clique aqui para comprar o livro na Amazon.