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De mulher, para mulher: conheça a história do aplicativo Lady Driver

Um episódio de assédio levou Gabryella Corrêa a fundar a Lady Driver, aplicativo de transporte individual exclusivo para mulheres. A operação já conta com 100 mil motoristas em 80 cidades no país. Veja o que vem pela frente.

Por Sofia Kercher | Design: Cristielle Luise | Edição: Alexandre Versignassi
26 jan 2024, 06h00
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 (Lady Driver/Divulgação)
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“Frustrada.”

É nesse tom que a paulistana Gabryella Corrêa começa a conversa com a VCSA, dizendo como se sentia em 2016 — um ano antes de criar a Lady Driver, aplicativo de transporte individual voltado exclusivamente a mulheres.

A empresa conta com 100 mil motoristas em 80 cidades, e atende 2,5 milhões de passageiras e suas famílias. Mas diz já o ditado: quem vê close não vê corre. A estrada que levou à Lady não foi fácil.

Em 2010, Gaby decidiu empreender no setor de construção civil, abrindo uma empreiteira. Dois anos depois, a empresa faliu. A dívida de R$ 100 mil e o susto levaram a uma promessa de pé junto: ela nunca mais se envolveria com empreendedorismo & derivados.

O caminho era tentar algo mais tradicional. Com seu diploma em nutrição, a empresária voltou a atuar na área e, em 2016, aceitou uma vaga temporária nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. Lá, servia refeições para doze mil funcionários diariamente.

Terminado o evento, Gaby ficou desempregada. Sem saber como seria seu futuro, fez o mais sensato: marcou de ir ao bar com algumas amigas queridas. Para chegar lá, chamou um carro de aplicativo.

Ali que tudo mudou. Infelizmente, o motorista assediou-a, diversas vezes. Amedrontada, Gaby desceu antes do fim da corrida. Ao chegar, desabafou para as amigas. “Vi então que elas também tinham passado por situações assim. Algumas tiveram até problemas com filhos, por causa de motoristas sem paciência”, conta.

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“Pensei ‘nossa, me sentiria muito mais tranquila se estivesse com uma motorista mulher’.” Logo ela, que tinha jurado distância absoluta do empreendedorismo, decidiu ali: começaria do zero um aplicativo de mulheres, para mulheres.

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(Lady Driver/Divulgação)

Test-drive

Para começar a empreitada, o primeiro passo era encontrar um sócio que ajudasse a tocar e financiar a Lady Driver. Quem topou foi José Pereira. O engenheiro tinha experiência em desenvolvimento de sistemas, e já havia trabalhado com Gaby. Hoje, ele segue na empresa — mas numa posição exclusivamente societária.

Com a rescisão que recebeu das Olimpíadas e o investimento de Pereira, começaram com R$ 500 mil iniciais. Boa parte foi usada para contratar uma equipe de desenvolvedores, que montariam a interface inicial do app.
Desde então, já investiram R$ 10 milhões em tecnologia, concedidos primordialmente por investidores-anjo (aqueles que financiam empreendimentos em troca de uma participação minoritária).

10 meses depois, Gaby tinha o aplicativo em mãos: era hora de botar a viabilidade dele para jogo. Ela decidiu fazer um teste na Beauty Fair, uma convenção de beleza realizada todo fim de ano na Expo Center Norte, em São Paulo. Gaby saiu pelo centro de convenções panfletando o serviço. A Lady Driver tinha, naquele momento, 20 motoristas.

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Foi pouco carro para tanta demanda. “Todo mundo amou a ideia. Percebi que não conseguiria lançar de fato o app com essa quantidade de motoristas”, conta.

A solução foi angariar mais mulheres à causa. Tudo no tête-à-tête: começou a marcar cafezinhos, almoços, ir de casa em casa para recrutar motoristas parceiras. No dia 8 de março de 2017, quando a Lady Driver foi lançada na capital paulista, contava com 1,8 mil motoristas cadastradas.

Pedras no caminho

Tudo ia bem em terra de Lady Driver. No primeiro ano de operação, a companhia ganhou 35 mil motoristas e 200 mil passageiras. Mas, após um 2018 e 2019 de crescimento constante, viu tudo ruir em 2020 — quando um vírus apareceu pelo caminho.

No primeiro ano de pandemia, a Lady Driver perdeu 80% do faturamento. Gaby argumenta que o prejuízo não foi só porque a empresa era voltada à mobilidade (área severamente prejudicada à época), mas também por disparidades de gênero.“Muitas mulheres tiveram que desistir do trabalho para ficar em casa, cuidar dos filhos e da família.”

Um estudo de abrangência global publicado em 2022* no periódico científico The Lancet colocou isso em números: para cada homem que deixou o trabalho para cuidar de outras pessoas na pandemia, oito mulheres fizeram isso (entre as que deixaram os estudos, só para constar, a proporção foi ainda maior, de 1 para 21).

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Mas nem tudo estava perdido. O crescimento anterior da marca e uma captação de recursos recém-feita deixaram uma gordurinha no caixa da empresa. Gaby aproveitou a oportunidade para repensar o modelo de negócios, e decidiu que iria expandir a Lady Driver via licenciamentos.

Para cada homem que deixou o trabalho para cuidar de outras pessoas na pandemia, oito mulheres fizeram isso

Funciona assim: digamos que você queira trazer a Lady Driver à sua cidade. Você pode, então, alugar o software da empresa. Os preços ficam entre R$ 50 mil e R$ 250 mil por ano – de acordo com o tamanho da região. Segundo a empresária, as licenciadas recebem até R$ 1,2 milhão por mês.

Trocando em miúdos, é uma franquia. Mas, como é tecnologia que está sendo cedida, e não um espaço físico, usa-se o nome licenciamento. Foi assim que a Lady Driver chegou a 80 cidades – outras 220 já compraram o sistema e devem colocá-lo em operação nos próximos meses.

Esse modelo rendeu até uma menção honrosa na Assembleia Legislativa de São Paulo, em junho de 2023. “Os licenciamentos amplificam a presença feminina em duas áreas notoriamente dominadas por homens: automóveis e tecnologia”, diz a empresária. “Não é só positivo para as motoristas e para as passageiras, mas também para as licenciadas, que se tornam empreendedoras na área tech. Por isso ganhamos esse reconhecimento.”

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(Lady Driver/Divulgação)

Motoristas e passageiras

“Costumo dizer que a gente trabalha 365 dias pensando na mulher, em como melhorar a vida da motorista e da passageira”, complementa Gaby. E como isso acontece na prática?

Para as motoristas, a Lady cobra uma taxa fixa de 25% sobre o valor da corrida. Em aplicativos como Uber e 99, esse valor é variável, e pode chegar a 40%.

A companhia também incentiva o uso dos agendamentos. “Um motorista homem pode sair de casa às 6 da manhã e dirigir sem hora para voltar para casa”, diz Gaby. “Essa não é a realidade para muitas mulheres.” As motoristas recebem, em média, R$ 7 mil por mês.

Para as passageiras, a Lady implementou dois serviços (desenvolvidos naquele momento de perrengue pandêmico). O Lady Kiddos e Idosos. Numa aba do aplicativo, a passageira pode pedir um carro para seus filhos ou pais — independentemente de gênero, claro. Só as motoristas mais bem avaliadas no app podem aceitar essas modalidades.

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Vale dizer: as passageiras podem ter acompanhantes masculinos nas corridas. Mas a criação da conta é reservada a mulheres.

Estrada à frente

A expectativa de faturamento para 2024, com novas cidades recebendo a operação, é de R$ 80 milhões – cinco vezes mais do que em 2023.

Gaby planeja uma nova captação de recursos, para apoiar a área de marketing e promover melhorias ao aplicativo. Ela também pretende começar uma parceria com escolas, que usariam o serviço das motoristas como um substituto para a van escolar.

E diz que já está em negociações para inaugurar o serviço em Portugal, ainda neste ano. Para um futuro mais distante, a ideia é chegar aos Estados Unidos. A sensação de segurança que uma mulher ao volante traz, afinal, não tem fronteiras.

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